Manual para conselho tutelar
Criança e Adolescente
Crianças e adolescentes possuem direitos próprios que estão previstos em diversos instrumentos internacionais e na legislação brasileira. No plano internacional, ressalta-se a Convenção sobre o Direito da Criança, aprovada pela ONU, em 1989, e em vigência no Brasil desde 1990; as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade, aprovada pela ONU em 1990; Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração Juvenil e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José).
A Constituição Federal relaciona em seu art. 227 direitos destinados a conceder às crianças e adolescentes absoluta prioridade no atendimento ao direito à vida, saúde, educação, convivência familiar e comunitária, lazer, profissionalização, liberdade, integridade etc. Além do que, é dever de todos (Estado, família e sociedade) livrar a criança e o adolescente de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Crianças e adolescentes possuem prioridade em receber proteção e socorro em quaisquer circunstância, precedência no atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e juventude, programas de prevenção e atendimento especializado aos jovens dependentes de entorpecentes e drogas afins.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, estabelece vários direitos específicos, bem como regras especiais para o jovem infrator. Considera-se criança a pessoa até 12 anos e adolescente com idade entre 12 e 18 anos. O ECA também regulamenta casos excepcionais de jovens que receberam medidas que se esgotarão até depois dos 18 anos, como no caso do prolongamento da medida de internação e no caso de assistência judicial.
O que diz a lei no caso da criança ou adolescente que comete ato infracional?
Ato infracional é a ação tipificada como contrária a lei que tenha sido efetuada pela criança ou adolescente. São inimputáveis todos os menores de 18 anos e não poderão ser condenados a penas. Recebem, portanto, um tratamento legal diferente dos réus imputáveis (maiores de 18 anos) a quem cabe a penalização.
A criança acusada de um crime deverá ser conduzida imediatamente à presença do Conselho Tutelar ou Juiz da Infância e da Juventude. Se efetivamente praticou ato infracional, será aplicada medida específica de proteção (art. 101 do ECA) como orientação, apoio e acompanhamento temporários, freqüência obrigatória em ensino fundamental, requisição de tratamento médico e psicológico, entre outras medidas.
Se for adolescente e em caso de flagrância de ato infracional, o jovem de 12 a 18 anos será levado até a autoridade policial especializada (antiga Delegacia de Menores). Na polícia, não poderá haver lavratura de auto e o adolescente deverá ser levado à presença do juiz. Ressalte-se que os adolescentes não são igualados a réus ou indiciados e não são condenados a penas (reclusão e detenção), como ocorre com os maiores de 18 anos. Recebem medidas socioeducativas, sem caráter de apenação. É totalmente ilegal a apreensão do adolescente para "averiguação". Ficam apreendidos e não presos. A apreensão somente ocorrerá quando for em flagrância ou por ordem judicial e em ambos os casos esta apreensão será comunicada, de imediato, ao juiz competente, bem como à família do adolescente (art. 107 do ECA).
DAS ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO
Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:
I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;
II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII;
III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:
a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;
b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações.
IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;
V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;
VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;
VII - expedir notificações;
VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário;
IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;
X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, § 3º, inciso II da Constituição Federal;
XI - representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou suspensão do pátrio poder.
Art. 137. As decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse.
ABC DO CONSELHO TUTELAR
PROVIDÊNCIAS PARA MUDANÇA DE USOS, HÁBITOS E COSTUMES DA FAMÍLlA, SOCIEDADE E ESTADO, QUANTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL
Elaboração: Edson Sêda
Advogado, educador, membro da comissão redatora do Estatuto da Criança e do Adolescente (julho de 1992)
"Projeto Construção da Esperança,implantando o Estatuto da Criança e do Adolescente."
Comissão Justiça e Paz, S. Paulo
Presidente: Margarida Genevoix
CBIA - Centro Brasileiro da Infância e Adolescência - Escritório S. Paulo Maria Cecília Ziliotto
Coordenação e Execução do projeto: Sonia Paz
Assistência de Coordenação: Lygia Bove Therezinha Fram
A. O QUE É O CONSELHO TUTELAR
É um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos na Lei Federal 8.069 de 13 de julho de 1990, que entrou em vigor no dia 14 de outubro de l 990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A.1. O QUE É UM ÓRGÃO PERMANENTE E AUTÔNOMO
É um órgão público, criado por Lei, que integra definitivamente o conjunto das instituições brasileiras, estando portanto sujeito e subordinado ao ordenamento jurídico do País e que, em suas decisões, tem autonomia para desempenhar as atribuições que lhe são confiadas pelo Estatuto Federal que o instituiu.
A.2. O QUE É UM ÓRGÃO NÃO JURISDICIONAL
É ser uma entidade pública que não integra o Poder Judiciário. Exerce, portanto, funções de caráter administrativo, dependendo da órbita do Poder Executivo, a que fica vinculado para os efeitos administrativos da sua existência como órgão que executa funções públicas.
A.3. COMO A VINCULAÇÃO SE HARMONIZA COM A AUTONOMIA
Três são os Poderes da República: o Legislativo, o Judiciário e o Executivo. A vida do Conselho Tutelar, para os efeitos de sua instalação física, percepção de recursos públicos, prestação de contas, eventual remuneração de conselheiros, publicações em Diário Oficial, tramitações burocráticas como pagamento de aluguel de sua sede, despesa telefônica, despesa de luz, encaminhamento de licença de conselheiros, etc., deve ser controlada por um desses poderes. O Conselho Tutelar vincula-se ao Poder Executivo, representado em sua esfera municipal pela Prefeitura. No âmbito de suas decisões não se subordina a nenhum órgão. Se alguém se sentir prejudicado por ação desse Conselho, recorre à Justiça da Infância e da Juventude que, quando provocada, é competente para rever as decisões do Conselho Tutelar. (ECA - art. 137)
A.4. O QUE É "SER ENCARREGADO PELA SOCIEDADE DE ZELAR PELOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE"
É, nos termos do Estatuto Federal, ser escolhido pela comunidade local, em processo definido por Lei Municipal e conduzido sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, para executar atribuições constitucionais e legais no campo da proteção à infância e à juventude.
A.5. QUAL A FONTE CONSTITUCIONAL E LEGAL DOS PODERES ATRIBUÍDOS AO CONSELHO TUTELAR
Artigos 24 - XV e par. 10. e artigo 30 - II e V e 204 da Constituição Federal. Título V do Livro lI da Lei Federal 8.069 que trata das normas gerais federais a que se refere a Constituição Federal.
A.6. O QUE É ZELAR PELO CUMPRIMENTO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
É comparar a situação de crianças e adolescentes do Município ou da área sob sua jurisdição com as normas constantes do Livro I do Estatuto da Criança o do Adolescente. Havendo desvio da realidade em relação às normas do Estatuto, exercer as atribuições que lhe são confiadas pela Lei Federal.
A.7. DE QUANTOS CONSELHOS TUTELARES DEVE DISPOR O MUNlCÍPlO
A norma geral federal, que é o ECA, diz que "haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução". Logo, se for da conveniência do Município, haverá tantos Conselhos Tutelares quantos forem julgados necessários.
A.8. QUEM CRIA O CONSELHO TUTELAR
Trata-se de serviço público de interesse local (segundo arts. 227, par. 7º e 204 C.F.) a ser criado em obediência a norma geral federal (art. 204, I,C.F.) nos termos do parágrafo primeiro e do inciso XV do artigo 24 da Constituição Federal, por lei municipal, conforme incisos V e II do artigo 30 da mesma Constituição.Ou seja, cumprindo a norma geral federal (O Estatuto da Criança e do Adolescente), a lei municipal suplementa a legislação federal, organizando um serviço público local que tem caráter essencial no campo da proteção à infância e à juventude.
A.9. DE QUEM É A INICIATIVA DESSA LEI
Por criar despesas para o município, a iniciativa é do Poder Executivo local.
A.10. O QUE PODE OCORRER SE O PODER EXECUTIVO LOCAL SE NEGAR A CRIAR O CONSELHO TUTELAR?
O Estatuto da Criança e do Adolescente é um conjunto de regras as quais não aceitam em hipótese nenhuma a inexistência de um serviço público essencial ao atendimento dos direitos da criança e do adolescente. O Conselho Tutelar é um desses serviços. A não-oferta de um serviço protegido pela Constituição e pelo Estatuto (parágrafo único do art. 208 do ECA) autoriza a propositura de ação judicial de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente.Podem propor essa ação cível o Ministério Público, os Estados, a União e as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Estatuto.Quando houver resistência para a criação do Conselho Tutelar, qualquer cidadão pode e todo servidor público deve comunicar ao Promotor local da Infância e da Juventude a não-oferta local dos serviços devidos pelo Conselho Tutelar (por sua inexistência) para a promoção da ação pública correspondente nos termos do artigo 220 do Estatuto, cabendo no caso aplicação de multa à autoridade responsável, nos termos do art. 213.
A.11. QUAL A NATUREZA DESSE SERVIÇO PÚBLICO PRESTADO PELO CONSELHO TUTELAR
Trata-se de serviço público relevante (art. 135 ECA), cujo efetivo exercício estabelece presunção de idoneidade moral e assegura prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo de seus membros.
B. QUAIS AS ATRIBUlÇÕES DO CONSELHO TUTELAR
Devem os Conselheiros Tutelares regularmente eleitos e empossados:
1. Atender crianças e adolescentes e aplicar medidas de proteção.
2.Atender e aconselhar os pais ou responsável e aplicar medidas pertinentes previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
3.Promover a execução de suas decisões, podendo requisitar serviços públicos e entrar na Justiça quando alguém, injustificadamente, descumprir suas decisões.
4.Levar ao conhecimento do Ministério Público fatos que o Estatuto tenha como infração administrativa ou penal.
5.Encaminhar à Justiça os casos que a ela são pertinentes.
6.Tomar providências para que sejam cumpridas as medidas sócio-educativas aplicadas pela Justiça a adolescentes infratores.
7.Expedir notificações em casos de sua competência.
8.Requisitar certidões de nascimento e de óbito de crianças e adolescentes, quando necessário.
9.Assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentar para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.
10.Entrar na Justiça, em nome das pessoas e das famílias, para que estas se defendam de programas de rádio e televisão que contrariem princípios constitucionais bem como de propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
11.Levar ao Ministério Público casos que demandam ações judiciais de perda ou suspensão do pátrio poder.
12.Fiscalizar as entidades governamentais e não-governamentais que executem programas de proteção e sócio-educativos.
C. O QUE É ATENDER CRIANÇAS E ADOLESCENTES PARA APLICAR MEDIDAS DE PROTEÇÃO
É ouvir queixas e reclamações sobre situação de crianças (pessoa até doze anos incompletos) e de adolescentes (pessoa de doze a dezoito anos) cujos direitos, reconhecidos no ECA, forem ameaçados ou violados.Um direito é ameaçado quando uma pessoa está na iminência de ser privada de bens (materiais ou imateriais) ou interesses que são protegidos por Lei.Está violado um direito quando essa privação se concretiza.No caso da criança e do adolescente, o Estatuto prevê que essa ameaça ou privação gera um direito especial de proteção quando essa ameaça ou privação se derem (art. 98 do ECA):
a - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
b - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
c - em razão da conduta da própria criança ou adolescente.
C.1. COMO SE DÁ A AMEAÇA OU VIOLAÇÃO POR AÇÃO OU OMISSÃO DA SOCIEDADE OU DO ESTADO
A Sociedade é a coletividade difusa das pessoas que residem no território. O Estado é a sociedade organizada. O Brasil tem pouco mais de 4.500 municípios que se reúnem em 36 Estados, os quais, em conjunto, se reúnem na União. A mesma palavra "Estado" é usada para designar duas coisas distintas. Uma é a sociedade política e juridicamente organizada. Outra é qualquer das Unidades Territoriais que reúnem os municípios que as compõem. Quando o Estatuto aí se refere ao Estado trata do conjunto formado pela União (representada pelo Governo Federal) pelos Estados membros e pelos municípios. Os três em conjunto ou um deles em particular podem, agindo (por ação) ou deixando de agir quando deveriam (por omissão), ameaçar ou violar bens ou interesses de crianças e adolescentes.O Estado ameaça ou viola direitos quando em sua política social deixam de ser prioritárias as necessidades básicas da criança e do adolescente: educação, saúde, recreação, esporte, cultura, lazer, trabalho, assistência social, segurança pública, habitação, saneamento, e assim por diante (ver art. 4º do ECA).Há entretanto uma política pública brasileira constitucionalmente importante para atender direitos da população infanto-juvenil. Trata-se da definida no art. 203 da Constituição Federal: Art. 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.Essa política pública de assistência social, deverá ter programas coordenados e executados pelos Estados (S. Paulo, Minas, Pernambuco, etc.) e pelos Municípios, sendo vedada essa coordenação e execução à esfera federal. Assegurando o princípio básico da municipalização (art. 88, I ECA), Prefeitura e Governo Estadual devem dividir programas nessa área. Cumpre observar que a garantia a que se refere o inciso "V", acima, depende de lei para sua efetivação e só será exigível quando assim o dispuser a Lei Orgânica da Assistência Social. Os demais incisos estão em vigor e devem ser exigidos pelo Conselho Tutelar.É essencial, para o atendimento dos direitos da criança e do adolescente, que o Município tenha programas que efetivem a proteção, o amparo, a promoção e a habilitação citados no artigo 203 da Constituição Federal. Sua não-oferta ou oferta irregular, como se viu, não pode ser tolerada e, quando ocorrer, faculta ao cidadão comum e obriga a todo servidor público que dela tome conhecimento, levar o fato ao Promotor da Infância e da Juventude.
C.2. COMO SE DÁ A AMEAÇA OU VIOLAÇÃO POR FALTA, OMISSÃO OU ABUSO DOS PAIS OU RESPONSÁVEL
Na sociedade brasileira, os pais (art. 229 C.F.) têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.Como se deve entender isso? Nós vivemos no mundo dos fatos, ou seja, no mundo dos acontecimentos. Como são os acontecimentos nesse mundo dos fatos entre pais e filhos? Às vezes acontece que os pais assistem. criam e educam os filhos. Às vezes ocorre que não.Existe um dever quando as pessoas não podem deixar que um acontecimento previsto na lei ocorra na realidade.Quando a lei é bem feita, sempre que esse acontecimento obrigatório deixa de ocorrer, o responsável por essa ausência pode ser obrigado pelo Estado (através de um órgão da União, do Estado ou do Município) a suprir sua falta. Sendo bem feita, a lei prevê também que qualquer cidadão tem o poder de compelir o Estado a cumprir com suas obrigações. E aquele que foi prejudicado deve receber a proteção do Estado, num sistema eficaz de garantias.Assim, portanto, quando os pais deixam de assistir, criar e educar os filhos, seja por agirem nesse sentido ou por deixarem de agir quando deviam, eles ameaçam ou violam o direito dos filhos.Nesse caso, alguém pode dar a notícia dessa ação ou omissão ao Conselho Tutelar, órgão público municipal encarregado de repor as coisas no devido lugar. Ou seja, encarregado de provocar aqueles acontecimentos que consistem em fazer com que os filhos sejam devidamente assistidos, criados e educados.
C.3. O QUE É ASSISTIR, CRIAR E EDUCAR
Assistir é promover o atendimento das necessidades básicas da criança ou do adolescente. Necessidades básicas são aquelas condições indispensáveis para que a dignidade humana seja garantida. Como se vive com dignidade? Dispondo de abrigo, higiene, alimentação, vestuário, convivência sadia, estímulos positivos para a adequada integração social, etc.Criar é reunir condições em torno da criança ou do adolescente para que seu processo de desenvolvimento pessoal se faça no caminho de sua plenitude como ser humano.Educar é orientar a criança e adolescente no sentido da aquisição de hábitos, usos e costumes tais que suas atitudes possam se integrar à cultura da sociedade em que vive, refletindo valores de um mundo comum de conhecimentos e aspirações coletivas.Cabe ao Conselho Tutelar verificar se a condição de vida de seu atendido caminha nesse tríplice sentido (não se esquecendo nunca de que a Constituição Federal dá aos pais o poder de determinarem quanto à forma de assistência, criação e educação dos filhos).
C.4. O QUE É "RESPONSÁVEL"
Assistir, criar e educar é dever dos pais ou do responsável. Aqui, responsável é aquela pessoa maior de idade que responde por pessoas menores de idade. Os pais são responsáveis naturais pelos filhos. Pai e mãe, casados ou não, tem, juntos ou separados, o dever de assistência, criação e educação.Pai e mãe que, podendo (ou seja, tendo condições para isso), não cumprem com essa assistência, cometem crimes previstos no Código Penal. Deixando de assistir, o crime é de abandono material (art. 244 C. Penal); deixando de educar, crime de abandono intelectual (art. 246 C. Penal). Entregar filho menor de dezoito anos a pessoa com a qual saiba ou deva saber ficar moral ou materialmente em perigo (art. 245 C. Penal) também é crime.Pois bem, os pais são responsáveis por seus filhos menores. Mas há situações em que essa responsabilidade passa para outras pessoas que não o pai e a mãe. É quando, por impossibilidade permanente ou eventual dos pais a exercerem, essa responsabilidade é entregue, por um Juiz, a outra pessoa, seja ela um parente ou um estranho, conforme a conveniência de cada caso. Chama-se a isso "colocação numa família substituta" e ela pode ser feita através de três modalidades: Tutela, quando a Justiça suspende temporariamente ou decreta definitivamente a perda do pátrio poder dos pais e nomeia um tutor; Guarda, quando mantendo o pátrio poder dos pais, instituir um "guardião" que fica encarregado de assistir, criar e educar o filho de outra pessoa. Adoção, quando se nomeiam novos pais definitivos, de forma irrevogável, para a criança ou o adolescente. (art. 28 e segs. - ECA).Não sendo possível conseguir um responsável no âmbito da colocação familiar o Estatuto prevê (arts. 92 e 93) que a criança ou o adolescente sejam abrigados numa entidade de atendimento. Nessa condição, o dirigente da entidade é juridicamente equiparado ao guardião, ou seja, passa a ser o responsável pelo abrigado.Para se ter idéia da responsabilidade para com crianças e adolescentes, é crime (art. 247 C. Penal) permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito a seu poder ou confiado a sua guarda ou vigilância, freqüente casa de jogo ou conviva com pessoa viciosa; freqüente espetáculo ou participe de representação inadequada; resida ou trabalhe em casa de prostituição; mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública. É infração administrativa descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres do pátrio poder, tutela ou guarda (também em abrigo) (art. 249 ECA).
C.5. COMO SE DÁ A AMEAÇA OU VIOLAÇÃO EM RAZÃO DA PRÓPRIA CONDUTA DA CRIANÇA OU DO ADOLESCENTE
A criança e o adolescente podem se ver ameaçados ou violados em seus direitos em razão de sua própria conduta. É quando apesar do processo de assistência, criação e educação na sua família, em família substituta ou na entidade de abrigo, o rapaz, o menino, a menina ou a moça por iniciativa própria ou por envolvimento de terceiros, passam a adotar hábitos, usos ou costumes incompatíveis com a ética da solidariedade social. Ficam na iminência ou na prática de atos anti-sociais, ou da desproteção.A sociedade política e juridicamente organizada não pode aceitar que aqueles que devem estar assistidos, criados e educados por alguém se desviem do processo adequado de formação da cidadania.Maiores de idade são as pessoas que podem se autodeterminar, ou seja, podem decidir livremente sobre o bem e o mal em sua conduta. Menores de idade são os que devem ser preparados para essa determinação plena um dia mas que, aqui e agora, têm alguém que por eles se responsabilize: o seu responsável. Então, quando crianças e adolescentes se encontram em condições tais que por sua conduta se colocam na situação potencial ou efetiva de violarem os deveres e os direitos de sua cidadania e da cidadania alheia, devem receber uma ou mais medidas de proteção (art. 98 - III ECA) a serem aplicadas pelo Conselho Tutelar.Como as pessoas não vêm percebendo claramente o que isso significa, vamos considerar alguns exemplos: deixarem a criança e o adolescente de freqüentar a escola em que estão matriculados é um desvio inaceitável; da mesma forma, se agirem nas condições previstas no art. 247 do Código Penal acima citadas; também, se crianças e adolescentes perambulantes pelas ruas ficarem na iminência de participarem de bando ou quadrilha (art. 288 do C. Penal) ou se drogarem devem ser submetidos a medida de proteção.
D. O QUE É APLICAR MEDIDAS DE PROTEÇÃO
É tomar providências, em nome da Constituição e do Estatuto, para que cessem a ameaça ou violação de direitos da criança e do adolescente. O Conselho Tutelar tem poderes para aplicar sete tipos de medidas:
1.Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade. Quando os pais ou o responsável (tutor, guardião, dirigente de entidade de abrigo) deixam de cumprir os deveres de assistir, criar e educar, podem ser comunicados (notificados) pelo Conselho Tutelar de que devem comparecer à sua sede, onde tomam conhecimento oficial da ameaça ou violação que atingem a criança ou o adolescente e assinam termo de responsabilidade através do qual se comprometem a doravante zelarem pelo cumprimento de seus deveres no caso.
2.Orientação, apoio e acompanhamento temporários.
Como vimos no comentário sobre como o Estado ameaça ou viola direitos, as políticas públicas devem oferecer serviços de assistência social a todos que deles necessitem. Um dos aspectos a serem atendidos nesses serviços é o da orientação, apoio e acompanhamento temporários a crianças e adolescentes, nos casos em que o exercício por si só do dever de criar, educar e assistir pelos pais ou responsável for insuficiente.Havendo necessidade dessa medida, o Conselho Tutelar convoca os pais, explica-lhes essa necessidade e encaminha a criança ou o adolescente à agência de assistência social local encarregada de executar programa relativo à medida aplicada. Deixando de haver esse tipo de programa, o Conselho Tutelar comunica ao responsável pela política local de assistência social e ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do adolescente que essa não-oferta de serviço público obrigatório ameaça e viola direitos, devendo tal serviço ser criado com urgência, sob pena de ação judicial, prevista nos artigos 208 e seguintes do Estatuto. Deve ser deixado claro ao citado responsável pela política irregular, que o Conselheiro Tutelar, sendo servidor público, deve cumprir com o que dispõe o art. 220 do Estatuto:Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a Iniciativa do Ministério Público, prestando-lhe Informações sobre fatos que constituam objeto de ação civil, Indicando-lhe os elementos de convicção.Assim, deixando de serem tomadas as providências para sua criação, deve o Conselho Tutelar informar ao Promotor da Infância e da Juventude local da inexistência do programa e da resistência em criá-lo, para que promova a ação civil devida, pedindo decisão liminar do magistrado e, nos termos do art. 213 do Estatuto, a imposição de multa diária ao réu até que a providência seja tomada em valor igual ao pagamento de serviço equivalente em entidade privada.
3.Matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental.
O dever de criar, assistir e educar implica o dever de matricular o filho na escola e controlar-lhe a freqüência. Como já vimos (art. 246 C. Penal), deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar é crime.Deixando pois os pais ou responsável de fazê-lo, e tendo o Conselho Tutelar disso tomado conhecimento, cabe-lhe aplicar a medida, orientando a família e a escola para o devido acompanhamento do caso.Mas não são apenas os pais e responsável que devem zelar para que a freqüência escolar seja respeitada. Esse dever é também do dirigente de estabelecimento de ensino fundamental (art. 56 ECA), que deve comunicar ao Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo seus alunos; a repetição de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares, e os elevados níveis de repetência.Vemos aí que o Conselho Tutelar, ao receber essas comunicações, deve providenciar junto à política local de assistência social (arts. 203 e 204 da C.F.) para que se verifique o que ocorre no âmbito familiar, de forma a se tomarem medidas para o cumprimento do que dispõe o art. 229 da Constituição Federal.
4.lnclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança o ao adolescente.
Em muitos casos os pais querem mas não podem, não têm condições, não têm recursos para bem exercer os deveres do pátrio poder. Já vimos que é dever do Município contar com política de assistência social cuja primeira linha de atuação éa proteção à família, à maternidade, à Infância, à adolescência e à velhice.Nesse caso, o Conselho Tutelar aplica a medida de "inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio", encaminhando a família à agência de assistência social, que a executa, para os devidos fins.Na ausência de programa desse tipo, o Conselho Tutelar comunica ao responsável pela política local de assistência social e ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente que essa não-oferta de serviço público obrigatório ameaça e viola direitos, devendo portanto ser urgentemente corrigida, sob as penas da ação judicial cabível nos termos do artigo 208 e seguintes do Estatuto, com especial observância do art. 213.
5.Requisição de tratamento médico psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial.
A solução do caso levado à apreciação do Conselho Tutelar muitas vezes só se resolve com tratamento especializado. Em muitos desses casos, a família procura a agência pública cujos serviços devem suprir tais necessidades, mas não é atendida, é mal atendida ou maltratada. Cabe ao Conselho Tutelar entender-se com o serviço público correspondente e chamar-lhe a atenção para a prioridade de que gozam crianças e adolescentes, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 4º do Estatuto:a garantia de prioridade (à criança e ao adolescente) compreende: a)primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b)precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c)preferência na formulação o na execução das políticas sociais públicas; d)destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à Infância e à juventude.Verificada a hipótese da não-oferta ou da oferta irregular do serviço público devido nesses termos, cabe ao Conselho Tutelar chamar a atenção para o fato do seu responsável, seja informalmente, por telefone ou em contacto pessoal, seja formalmente, através de notificação para que seja providenciada a correção do desvio entre a realidade e a norma prevista no Estatuto. Deva o Conselho alertar também que a persistência nesse desvio implica ação judicial promovida nos termos do art. 208 e seguintes do Estatuto, valendo aqui as observações feitas no comentário à medida de proteção nº 2.
6.Inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras o toxicômanos.
Estamos tratando aqui de um dos grandes males da época em que vivemos: a submissão da juventude ao império do tráfico, da criminalidade, de sua exploração por indivíduos inescrupulosos e quadrilhas. Em torno dessa matéria, deve o Conselho Tutelar considerar o fato concreto representado pela escalada que parte do uso de substâncias em si mesmas inocentes: xaropes, cola de sapateiro, thinner, etc., e vai progressivamente galgando os níveis de dependência e perigo, até as raias da destruição da pessoa.Observar, de passagem, o que dispõe o artigo 81, inciso III do Estatuto:É proibida a venda à criança a ao adolescente de produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica ainda que por utilização indevida.Para se aquilatar da gravidade com que a questão é tratada nessa legislação, lembrar sempre que é crime (art. 243 ECA):Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, à criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida.Assim sendo, deve o Conselho Tutelar aplicar esta medida para prevenir que a escalada ocorra (nunca se esquecer dos "meninos de rua" cheiradores de cola) ou tratar os casos já instalados, seguindo a letra e o espírito da lei.Com a maior ênfase, empenho e determinação, a existência desse programa é absolutamente obrigatória, não se aceitando a hipótese de sua não-oferta ou oferta irregular. O Conselho Tutelar age como nas situações anteriores, devendo, como nunca, cumprir com as obrigações que lhe são impostas pelo artigo 220 do Estatuto.
7.Abrigo em entidade.
Já comentamos anteriormente que o abrigo em entidade é a última das formas previstas pelo Estatuto para que em nenhum Município brasileiro se aceite que crianças e adolescentes fiquem sem um responsável que os assista, crie e eduque, conforme determina o artigo 229 da Constituição Federal. Não há, na lei brasileira, hipótese alguma em que seja admitida a presença de crianças e adolescentes perambulando pelas ruas, dormindo ao relento, che2irando cola, mendigando ou explorados por adultos sem um responsável que os assista, crie e eduque.Assim, portanto, sempre que essas circunstâncias ocorrerem, e constatada a impossibilidade de assistência na própria família ou em família substituta, deve o Conselho Tutelar aplicar a medida de abrigo, dando imediato conhecimento ao Juiz da Infância e da Juventude para as providências cabíveis.A providência cabível, por parte do Juiz, é decidir se o afastamento da criança e/ou adolescente da família nesse caso é justo e se, realmente, o dever de assistir, criar e educar (previsto no art. 229 da Constituição Federal) deve ser confiado àquele abrigo, porquanto, se assim o for, o responsável pela entidade que executa o programa de abrigo, nos termos do Estatuto (par. único, art. 92) passa a se equiparar ao guardião daquela criança ou adolescente.A não-oferta ou a oferta irregular do serviço de abrigo no Município dá ensejo, junto à política de assistência social, às providências referidas nos tópicos anteriores.
E. O QUE É ATENDER E ACONSELHAR OS PAIS OU RESPONSÁVEL PARA APLICAR MEDIDAS
Basicamente é prestar um dos serviços públicos mais importantes quando crianças e adolescentes são ameaçados ou violados em seus direitos no âmbito da família. Seja por omissão ou abuso dos pais, ou em decorrência da impossibilidade dos pais se desincumbirem de seus deveres, por carência de recursos ou outros motivos.Devem os Conselheiros Tutelares ter sempre em mente que o Estatuto busca sempre fortalecer o pátrio poder. O pátrio poder é na verdade um conjunto de deveres que os juristas chamam de "deveres parentais". Pai e mãe têm o dever de assistir, criar e educar os filhos. Nesse dever está implícito o poder de escolher como a prole será assistida, criada e educada. Há pais mais conservadores ou mais progressistas; mais exigentes ou mais liberais; mais pobres ou mais ricos; mas todos devem cumprir com esse poder-dever. Se não o fizerem, podendo, cometerão o desvio da "omissão". Se o fizerem, podendo, cometerão o desvio do "abuso". O Estatuto prevê medidas tanto para o desvio da omissão, quanto para o abuso.
E.1. O QUE É APLICAR MEDIDAS PERTINENTES AOS PAIS OU RESPONSÁVEL
É exigir, em nome da Constituição e do Estatuto, que em torno da família ou seu substituto (tutor, guardião, responsável por abrigo) se, reúnam condições adequadas para o cumprimento do dever de assistência, criação e educação em relação a crianças e adolescentes.
Sete são as medidas aplicáveis aos pais ou responsável pelo Conselho Tutelar (art. 129 ECA):
1.Encaminhamento a programa oficial ou comunitário de promoção à família. A sociedade brasileira política e juridicamente organizada através da Constituição e do Estatuto fixou a regra de que a família tem a proteção do Estado quando dessa proteção necessitar (veja-se o art. 203 da C. F.)Nesse sentido, ao lado do dever de assistir, criar e educar os filhos, a família tem o direito de receber assistência, a qual, segundo o art. 204 da mesma Constituição, cabe ao Município e ao Estado, com recursos próprios e com o devido repasse de recursos federais.A primeira medida de proteção é, assim, o encaminhamento dos pais a programa municipal ou estadual de promoção à família, serviço esse obrigatório.Não havendo o programa, deve o Conselho Tutelar dirigir-se à autoridade responsável, comunicando-lhe da urgência de sua criação, providência essa que, se não for tomada, enseja a propositura de ação judicial por não-oferta ou oferta irregular de serviço indispensável à garantia dos direitos da criança e do adolescente (art. 208 e segs. do ECA).
2.lnclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos. O exercício do pátrio poder é fundamental para que a criança e o adolescente em estado de menoridade tenham a assistência devida, sejam criados corretamente e recebam a educação básica indispensável para o exercício da cidadania.Pais alcoólatras e toxicômanos estão com sua capacidade de fato comprometida para o elevado exercício daquele poder-dever.O próprio Estatuto dispõe em seu artigo 19 o seguinte:Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado no selo de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. Assim sendo, casos levados ao conhecimento do Conselho Tutelar onde seja constatada a presença de adultos alcoólatras e toxicômanos ensejam a aplicação dessa medida, cabendo aqui as mesmas observações feitas quando do comentário à sexta medida de proteção.
3.Encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico. A situação aqui é análoga à da medida anterior.
4.Encaminhamento a cursos ou programas de orientação. Dramática tem sido a situação econômica das famílias que compõem a classe de rendimentos mais baixos na sociedade brasileira.A sociedade política e juridicamente organizada ascende a condições mais adequadas de vida para sua população através de um conjunto de políticas públicas, que são eficientes e eficazes quando realmente melhoram as condições de vida dos cidadãos.Embora a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente não tenha em si mesma o poder de transformar radicalmente as condições de vida, a lei que a preside, o Estatuto, a ela dá condições de influir progressivamente na eficácia das demais políticas.Assim é que quando os pais por desqualificação pessoal não conseguem auferir rendimento suficiente para a manutenção dos filhos, muitas vezes podem ter o encaminhamento da solução de seu problema freqüentando curso que os habilitem a exercer profissão mais lucrativa, ou receber orientação adequada para se qualificar na busca de melhores condições de vida.Se tal for o caso, o Conselho Tutelar aplicará a presente medida, agindo sempre no sentido preconizado pelo artigo 208 do Estatuto.
5.Obrigação de matricular o filho ou pupilo e de acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar. Embora o Estatuto aqui se refira somente a filho ou pupilo, em se tratando de medidas aplicáveis aos pais ou responsável, a obrigação de matricular criança e adolescente e acompanhar-lhe a freqüência e aproveitamento escolar é também do guardião e do responsável por entidade de abrigo. Isso é evidente, pois a obrigação de educar implica no exercício de educação informal e formal. Freqüentar escola é, na regra geral, indispensável para a formação da cidadania. Exceções naturalmente justificam a regra.Aqui o Conselho Tutelar aconselhará os pais quanto à natureza do poder-dever parental já atrás explicitado, enfatizará o caráter obrigatório da preparação para a cidadania, exaltará o sentido ético da convivência social, sem deixar de mencionar o que já aqui se comentou nas medidas de proteção, quanto ao crime de abandono intelectual. Ao tratar desta medida não se pode perder de vista o sentido do artigo 56 do Estatuto, pois a abordagem dos pais para a aplicação desta quinta medida, pode decorrer da efetivação de seu conteúdo: Art. 56. Os dirigentes de estabelecimento de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de: I - maus-tratos envolvendo seus alunos; II - reiteração de faltas injustificadas o de evasão escolar, esgotados os recursos escolares; III - elevados níveis de repetência.Ou seja, criança brasileira, pela regra estabelecida no pacto constitucional de 1988 e na regulamentação jurídica de 1990 (ECA) não pode deixar de cursar o ensino fundamental.Quando na realidade isso ocorre, cabe ao Conselho Tutelar, verificando que se trata de um desvio inaceitável em relação às normas do Estatuto, providenciar para que se faça a correção do desvio.lnexistindo oferta adequada do ensino obrigatório, o Conselho Tutelar alertará os responsáveis pela política de educação para o que contém o art. 208, inciso I e 220 do Estatuto.
6.Obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado. Cabem aqui todas as observações feitas a respeito do exercício do pátrio poder para deixar claro que o Conselho Tutelar, se for o caso, deve fazer ver os pais que o dever de assistir os filhos implica sempre a obrigação de encaminhá-los a tratamentos especializadas quando necessário.O Conselho Tutelar auxiliará os pais a localizar a política pública responsável pelo serviço público devido e atuará junto ao mesmo para que faça cumprir o princípio da prioridade absoluta presente no artigo 227 da Constituição a regulamentado pelo artigo 4º do Estatuto. Alertará sempre para os desígnios do artigo 208 do Estatuto.
7.Advertência. De tudo o que foi dito até agora, resta lembrar que quando os pais ou o responsável (lembrando sempre que este pode ser o tutor, o guardião ou o responsável por entidade de abrigo) deixam de cumprir com as obrigações previstas no art. 229 da Constituição Federal, podendo fazê-lo (ou seja, tendo condições para isso) podem ser advertidos verbalmente ou por escrito pelo Conselho Tutelar. Repetimos: sempre que o Conselho Tutelar identificar desvios da realidade em relação ao que dispõe o Livro I do Estatuto (arts, 1 a 85) tomará providências para que, no plano da realidade, se criem fotos capazes de corrigir tais desvios. A advertência em muitos casos é extremamente eficaz para esse fim.
E.2. E QUANTO AS MEDIDAS DE PERDA DA GUARDA, DESTITUIÇÃO DA TUTELA E SUSPENSÃO OU DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER?
São medidas aplicáveis exclusivamente pelo Juiz da Infância e da Juventude, por se tratarem de atos públicos que modificam ou criam situações jurídicas no âmbito da família.
F. O QUE É "PROMOVER A EXECUÇÃO DE SUAS DEClSÕES"
O Conselho Tutelar não é órgão executivo. Executivos são os muitos órgãos dos poderes executivos municipal e estadual (art. 204 da C.F.), ficando para o Poder Executivo Federal as normas gerais sobre o assunto e a coordenação da descentralização político-administrativa prevista na Constituição e no Estatuto.A execução dos Programas de que depende o Conselho Tutelar para cumprir suas altas funções constitucionais e estatuárias é feita pela Política de Atendimento dos direitos da Criança e do Adolescente.
Essa política, nos termos do artigo 86 do Estatuto, será feita através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Cabe ao Conselho Tutelar cobrar de cada esfera a parte que lhe cabe na execução dessa política.
Ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente cabe definir, em cada município, como essa execução será distribuída entre as políticas públicas e as entidades não-governamentais.Notar que quando uma entidade não-governamental executa programas que integram essa política de atendimento, ela estará executando um serviço público.
Essa a razão pela qual as entidades não-governamentais devem atuar intensamente no âmbito do Conselho Municipal dos Direitos da Criança a do Adolescente, ao lado das entidades que executam programas governamentais.Por essas razões o Conselho Tutelar deve promover a execução de suas decisões, o que será feito no âmbito das entidades governamentais e não-governamentais de prestação dos serviços previstos na Constituição e no Estatuto.
G. O QUE É REQUISITAR SERVIÇOS PÚBLICOS NAS ÁREAS DE SAÚDE, EDUCAÇÃO, SERVIÇO SOCIAL, PREVIDÊNCIA, TRABALHO E SEGURANÇA
Requisição é o ato de determinar uma medida, praticado por quem tem autoridade para isso.Existe um princípio constitucional (art. 5º II, C.F.) que diz: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Assim sendo, o Conselho só pode compelir alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se houver uma lei que o autorize. Pois o Estatuto (art. 136 - III "a") dá poderes ao Conselho para requisitar serviços públicos.Que serviços? Aqueles que, pela Constituição, por outras leis e pelo Estatuto, são devidos à criança, ao adolescente e à sua família. Num país que se habituou a não cumprir as leis e que se habituou a aceitar que não se cumpram as leis, o Estatuto veio para introduzir novos usos, hábitos o costumes no âmbito da sociedade política e juridicamente organizada. E tudo começa quando, tendo repartições públicas praticado o velho uso, hábito, costume da não oferta ou da oferta irregular do serviço devido, o cidadão ofendido passa a praticar o novo hábito de defender o seu direito.Para a defesa de direitos do cidadão, no âmbito administrativo (não no jurisdicional, como vimos na letra A) ou para simplesmente promover a execução de suas decisões, o Conselho requisita serviços públicos. Isso se faz através de uma correspondência oficial, ou em formulário específico, para esse fim impresso.O Estatuto limita tais requisições às áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança. Na verdade, entretanto, outras áreas, como esporte, cultura, lazer, alimentação, saneamento, habitação, estão cobertas por outros artigos tais como os nºs 4, 59, 71 e 74.Isso quer dizer que, embora tecnicamente o Conselho Tutelar não tenha autorização legal para fazer requisição nessas áreas, na verdade nelas ele pode influir poderosamente, exercitando, como já comentamos na letra D.2., o dever que lhe é conferido pelo art. 220 do Estatuto.
G.1. COMO O CONSELHO TUTELAR DEVE AGIR SE SUA REQUISIÇÀO FOR REJEITADA SEM JUSTA CAUSA
Nesse caso, a autoridade, o funcionário, o agente público podem cometer ou o crime (art. 236 ECA) de impedir ou embaraçar a ação de membro do Conselho Tutelar no exercício da função, ou a infração administrativa (art. 249 ECA) de descumprir, dolosa ou culposamente, determinação do Conselho Tutelar. O Conselho deve agir como comentado nas letras H e 1.
H. O QUE É REPRESENTAR JUNTO À AUTORIDADE JUDICIÁRIA NOS CASOS DE DESCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO DE SUAS DELIBERAÇÕES
Já verificamos que o Conselho Tutelar executa funções públicas não jurisdicionais. Ou seja, não julga. Em razão disso, quando há descumprimento injustificado de suas deliberações, não cabe ao Conselho Tutelar, como a ninguém, "fazer justiça pelas próprias mãos". O assunto deve ser levado ao Poder Judiciário.Representar, no caso, é pedir providências cabíveis, expondo à autoridade judiciária fato ocorrido no âmbito da família, da sociedade ou da administração pública, através do qual alguém, sem justificativa, descumpriu deliberação do Conselho Tutelar, seja quanto à aplicação de medidas (de proteção ou pertinentes aos pais ou responsável), ou quanto à requisição de serviço público obrigatório.Tal exposição pode ser feita através de correspondência oficial ou de formulário específico impresso para esse fim.O Juiz, funcionário público de carreira, devido ao princípio da inércia que preside os atos do Poder Judiciário, somente pode agir quando "provocado", ou seja, quando alguém (cidadão ou autoridade), desde que autorizado por lei, exponha um fato, exponha a lei, exponha o desvio entre um e outro e peça a providência cabível que corrija o desvio entre fato e norma. Entregue regularmente a representação, o caso passará à esfera da Justiça da Infância e da Juventude, a qual adotará as medidas cabíveis para compelir aquele que descumpriu deliberação do Conselho Tutelar a agir de acordo com o Estatuto e, se for o caso, aplicar a punição correspondente.
I. O QUE É ENCAMINHAR AO MINISTÉRIO PÚBLICO NOTÍClA DE FATO QUE CONSTITUA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA OU PENAL CONTRA OS DIREITOS DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE
É, através de correspondência oficial ou impresso especificamente criado para esse fim, comunicar ao Promotor da Infância e da Juventude da Comarca local os fatos de que o Conselho tenha tomado conhecimento e que estejam enquadrados no que dispõem os artigos 225 e 258 do Estatuto.
Embora no artigo 136, IV o Estatuto determine que o Conselho encaminhe apenas as infrações administrativas e os crimes tipificados pelo próprio Estatuto, é da natureza do Conselho Tutelar (art. 131) zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.Nesse sentido, deve levar ao conhecimento do Ministério Público os crimes que, mesmo fora do Estatuto, são tipificados como sendo contra a população infanto-juvenil. Ver comentários à letra C.4.
J. O QUE É PROVIDENCIAR A MEDIDA ESTABELECIDA PELA AUTORIDADE JUDICIÁRIA, DENTRE AS PREVISTAS NO ART. 101, DE I A VI, PARA O ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL
Nos seus encargos pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente art. 131 ECA), deve o Conselho Tutelar zelar para que a medida estabelecida pela autoridade judiciária, nesse caso, se cumpra adequadamente em busca dos fins sociais a que ela se destina.A esse respeito cabe lembrarmos a regra de ouro do Estatuto, expressa em seu
Art. 6º:Na Interpretação deste lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ala se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.Tendo o adolescente praticado o ato infracional, isso significa que ele violou O limite ético aceitável pela sociedade brasileira política e juridicamente organizada. Esse limite é a linha que separa o mundo dos atos lícitos do mundo do crime.Ao aplicar medida sócio-educativa ou de proteção, o Juiz tem por fim social condicionar o retorno do adolescente para aquém dessa linha que ele ultrapassou com o ato praticado. O Estatuto quer que o Conselho Tutelar faça o controle dessas condições nos casos em que a medida aplicada for "de proteção" (art. 101 ECA) e, em nome dessa mesma sociedade política e juridicamente organizada, acione os serviços públicos que as garantam segundo as exigências do bem comum.Os comentários que fizemos à letra C.5. referiam-se às medidas de proteção aplicáveis quando crianças e adolescentes encontravam-se na iminência de praticarem atos anti-sociais (de que os infracionais são os mais graves). Aqui estamos tratando dos adolescentes que os praticavam, violando a cidadania dos seus semelhantes no conjunto de direitos e deveres socialmente exigíveis de todos e de cada um. Os programas que executam medidas de proteção e sócio-educativas são de responsabilidade de entidades de atendimento previstas no artigo 90 do Estatuto. Segundo o artigo 95, essas entidades são fiscalizadas pelo Conselho Tutelar, ao lado do Judiciário e do Ministério Público.Tais programas, segundo o espírito do art. 6º, têm a índole de trabalharem pela prevenção da criminalidade. Ao zelar pelo atendimento dos direitos de adolescentes nesse campo, o Conselho Tutelar vai muito além da ação sobre indivíduos, efetuando relevante trabalho no campo da criminologia aplicada, o que nos lembra das qualificações exigíveis do Conselheiro Tutelar.
K.O QUE É EXPEDIR NOTIFICAÇÕES
Notificar, no caso, é o Conselho Tutelar dar a alguém notícia de fato ou ato praticado que legalmente gera importantes conseqüências jurídicas.A notificação pode ser feita através de correspondência oficial ou em impresso especialmente criado para esse fim.A notificação do Conselho Tutelar pode se referir a atos ou fatos passados ou futuros, segundo se refiram a situações ocorridas ou a ocorrer que gerem importantes conseqüências jurídicas emanadas do Estatuto, da Constituição ou de outras legislações.O Conselho pode expedir notificação de que algo ocorreu. Exemplo: notificar o Diretor de Escola de que o Conselho determinou a medida de proteção nº III em relação ao aluno fulano de tal, matriculado naquela unidade de ensino. Ou expedir notificação para que algo ocorra. Exemplo: notificar os pais do aluno fulano de tal para que cumpram a medida aplicada, garantindo a freqüência obrigatória de seu filho em estabelecimento de ensino, em decorrência de seu dever constitucional de assisti-lo, criá-lo e educá-lo.
L. O QUE É "REQUISITAR CERTlDÕES DE NASCIMENTO E DE ÓBlTO DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE QUANDO NECESSÁRIO
"Estatuto dispõe expressamente que:
Art. 102. As medidas de proteção de que trata este capítulo serão acompanhadas da regularização do registro2 civil.Par. 1º. Verificada a inexistência de registro anterior, o assento de nascimento da criança ou adolescente será feito à vista dos elementos disponíveis, mediante requisição da autoridade judiciária.
Par. 2º. Os registros e certidões necessárias à regularização de que trata este artigo não isentos de multas, custas e emolumentos, gozando de absoluta prioridade.
Isso significa que o Conselho, ao determinar quaisquer das medidas de proteção, deverá fazê-las acompanhar, necessariamente, da regularização do registro civil. lnexistindo o registro, o Conselho comunica ao Juiz para que este requisite o assento do nascimento, o que será feito com absoluta prioridade (passará a frente dos demais casos, com isenção de muitas, custas e emolumentos, vale dizer, sem despesas para a família).Combinando-se o inciso VIII do art. 136 com o par. 1º do art. 102, verifica-se que dois são os órgãos legitimados para requisitar certidões a registros. A Justiça da Infância e da Juventude nos casos em que não há registro e o Conselho Tutelar nos casos em que há o registro mas, administrativamente, há a necessidade da certidão que comprove a existência desse registro.
M. O QUE É "ASSESSORAR O PODER EXECUTIVO LOCAL NA ELABORAÇÃO DA PROPOSTA ORÇAMENTÁRIA PARA PLANOS E PROGRAMAS DE ATENDIMENTO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE"
Quando da vigência do antigo "Direito do Menor", a legislação brasileira não continha normas para compelir o executivo e o legislativo a cumprirem com suas obrigações para com crianças e adolescentes no âmbito das políticas públicas. Não era do espírito daquela legislação interferir nas irregularidades (ilegalidades e abusos de poder) que o Estado cometia contra a população infanto-juvenil.
Agora, com o novo Direito da Criança e do Adolescente, é do espírito do ordenamento jurídico brasileiro atuar poderosamente para que a não-oferta e a oferta irregular de serviços públicos sejam devidamente corrigidos, quando vierem a ocorrer.E tudo começa com a existência ou não de recursos públicos capazes de financiar, viabilizar, criar ou manter serviços devidos à família, à criança e ao adolescente.Antes, nunca Juizes prolataram sentenças determinando que o Município, o Estado ou a União criassem serviços devidos nesses termos, porque nenhum dispositivo legal os autorizava a isso. Agora, com o Estatuto, normas expressas existem a respeito.O princípio geral é o de caráter constitucional (art. 227, C.F.), da prioridade absoluta no atendimento dos direitos da criança e do adolescente (valendo pois para todos esses direitos).
Regulamentando essa prioridade, ou seja, definindo legalmente no que ela consiste, o Estatuto dispõe em seu artigo 4º que a garantia de prioridade compreende:a)primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b)procedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c)preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d)destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à Infância o à juventude.Ou seja, a própria elaboração orçamentária está sujeita ao princípio da prioridade absoluta. Por essa razão, o Estatuto prevê que o órgão encarregado de atender casos de ameaças ou violações a esses direitos (O Conselho Tutelar) tenha a atribuição de assessorar o Poder Executivo local na elaboração orçamentária.É atribuição do Poder Executivo propor o orçamento, o qual é aprovado pela Câmara de Vereadores local quando o assunto é municipal e pela Assembléia Legislativa local, quando o assunto é da esfera do Estado membro a que o Município pertence.Nessa propositura e nessa aprovação, devem o Executivo e o Legislativo preverem sempre recursos para "planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente", principalmente naquilo que não foi contemplado no exercício anterior.Para essa propositura, o Executivo deve se assessorar dos Conselhos Tutelares, os quais, recebendo reclamações e denúncias sobre a não-oferta ou a oferta irregular de serviços públicos obrigatórios, tem condições de informar ao executivo onde o desvio entre os fatos e a norma vem ocorrendo com freqüência. Para a correção desses desvios, a primeira providência é reservar recursos para que os serviços públicos possam funcionar segundo o princípio da prioridade absoluta.Embora, nesse caso, a função do Conselho Tutelar seja de assessorar, a não-provisão de recursos para serviços indispensáveis gerará a não-oferta ou oferta irregular de serviços previstos no artigo 208 do Estatuto, o que caracteriza, concretamente, ameaça ou violação de direitos garantidos.Nesse caso, cabe ao Conselho Tutelar, cumprindo o dever que lhe é imposto pelo artigo 220 do Estatuto, dar notícia do fato ao Promotor da Infância e da Juventude local, para que esse entre com ação pública mandamental, solicitando ao Juiz que determine a provisão de recursos necessários, como condição "sine que non" para que a oferta regular de serviços seja garantida no exercício orçamentário correspondente.O executivo e o legislativo podem querer argumentar que eles desfrutam do poder discricionário da formulação e da aprovação do orçamento público. Essa discricionariedade é representada pela faculdade de dizer da oportunidade e da conveniência de se priorizar esta ou aquela arca dos serviços públicos com mais ou menos recursos orçamentários.
O Conselho Tutelar argumentará entretanto com a circunstância de que "ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
Ora, a Constituição, Lei Maior, fixa o princípio da prioridade absoluta. Não se trata de uma prioridade qualquer, o que já seria suficiente. Mas de prioridade absoluta, a qual é regulamentada pelo art. 4º do Estatuto. Prefeitura e Câmara de Vereadores deverão dar prioridade absoluta ao que dispõem Constituição e Estatuto, ao exercitarem os princípios da conveniência e oportunidade de fixar prioridades orçamentárias. O mesmo vale para o Governo do Estado e Assembléia Legislativa, para o Governo Federal e o Congresso Nacional.Ministério Público e Judiciário se determinarão portanto no sentido de que conveniência e oportunidade para crianças e adolescentes já estão fixadas na Constituição e no Estatuto.
N. O QUE É REPRESENTAR, EM NOME DA PESSOA E DA FAMÍLlA, CONTRA A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS PREVISTOS NO ART. 220, PAR. 3º, II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL N.1. O QUE É REPRESENTAR EM NOME DA PESSOA E DA FAM[LIA
Representar contra a violação desses direitos significa o Conselho Tutelar, tendo recebido reclamação expressa de quem se julgou prejudicado, encaminhar requerimento ao Juiz da Infância e da Juventude expondo os fatos violadores, explicitando as normas violadas, descrevendo o desvio inaceitável entre os fatos e as normas e pedindo as providências judiciais cabíveis.
N.2. QUAIS SÃO AS PROVIDÊNCIAS JUDICIAIS CABÍVEIS
O Estatuto caracteriza como infração administrativa (art. 254) "Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado, ou sem aviso de sua classificação".Se for este o caso, a providência judicial será aplicar a pena correspondente prevista no mesmo artigo 254: muita de vinte a cem salários-de-referência; duplicada em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias. O valor da multa vai para o fundo controlado pelo Conselho Municipal dos Direitos.
N.3. O QUE É "VIOLAÇÃO DOS DIREITOS PREVISTOS NO ART. 220 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL"
Em seu artigo 220, a Constituição imprime o princípio da livre manifestação do pensamento, criação, expressão e informação, com a ressalva de que devem ser observadas as normas a esse respeito previstas na própria Constituição.O inciso II do parágrafo 3º desse artigo impõe a norma de que compete à lei federal estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas e programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no artigo 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.O inciso III manda lei federal (no caso o Estatuto) regular diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendam, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.O artigo 221 por sua vez dispõe que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; lI - promoção da cultura nacional e regional e estímulo àprodução independente que objetive sua divulgação; III - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e dafamília.Essa a razão pela qual o Estatuto (lei federal) estabelece meios legais que garantem à pessoa e à família se defenderem de programas ou programações que contrariam esses princípios.Com relação ao primeiro desses princípios, deve o Conselho Tutelar levar sempre em consideração o que o Estatuto trata no artigo 74:O Poder Público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre Inadequada. Cumprindo esse artigo, o Ministério da Justiça emitiu normas a respeito, fixando as faixas etárias correspondentes. Através da Portaria 773 de 19 de outubro de 1990 (os interessados deverão ver o Diário Oficial da União de 29-10-1990) o Ministro da Justiça dispõe que os programas para emissão de televisão, inclusive "trailers" deverão ter classificação indicativa feita por órgão competente daquele Ministério e publicada no Diário Oficial da União para conhecimento geral da população.Quando a classificação for livre o programa pode ser veiculado em qualquer horário; quando não recomendado para menores de 12 anos, é inadequado para antes das vinte horas; se não recomendado para menores de 14 anos é inadequado para antes das vinte e uma horas; classificado como não recomendado para menores de 18 anos, é inadequado para antes das vinte e três horas.Nesses termos, a classificação é indicativa, ou seja, indica os horários de adequação às faixas etárias (que, como se viu, vão até dezoito anos). Não havendo censura prévia no País, está proibido ao Ministério da Justiça impedir a veiculação de filmes ou programas. E assim sendo, se não classificado numa dessas quatro faixas indicativas, o filme ou programa pode ser exibido após as 23 horas.A mesma Portaria do Ministério da Justiça também dispõe que são dispensados de classificação os programas de televisão transmitidos ao vivo, responsabilizando-se o titular da empresa televisiva ou seu apresentador e toda a equipe de produção, pelos abusos e desrespeito à legislação e normas regulamentares vigentes.Para que o público se oriente sobre qual a classificação do programa levado ao ar, a portaria estabelece que nenhum programa de rádio ou televisão será apresentado sem aviso de sua classificação, antes e durante a transmissão.Fica claro portanto que o Conselho Tutelar representa à autoridade judiciária pedindo a aplicação de multa pela infração administrativa (art. 254 ECA), quando desrespeitada a classificação indicativa do Ministério da Justiça ou pedirá a aplicação de sanção por responsabilidade civil, no caso de abusos nos programas ao vivo, que são dispensados dessa classificação.
O. O QUE É "REPRESENTAPÚBLICO, PARA EFEITO DAS AÇÕES DE PERDA OU SUSPENSÃO DO PÁTRIO PODER
"Quando o Conselho Tutelar atende reclamações ou recebe denúncias de ameaças ou violações a direitos de criança ou adolescente pode, como vimos, aplicar medidas de proteção relacionadas à própria criança ou adolescente, ou medidas relativas aos pais ou responsável, as quais se destinam a garantir que o ameaçado ou violado em seu direito seja assistido, criado e educado.
Há porém situações em que esse processo de assistência, criação e educação não pode ou não deve continuar a ser exercido pelo próprio pai ou mãe. São os casos mais graves, em que os pais estão sujeitos à perda ou suspensão temporária do pátrio poder.Essas providências são da alçada da Justiça da Infância e da Juventude, casos em que o Conselho Tutelar toma as providências urgentes que lhe são deferidas pelo Estatuto para proteção do filho e encaminha representação ao Promotor para que este mova, junto ao Judiciário, a competente ação relativa ao pátrio poder.
Representar, em Direito, é expor alguma coisa a uma autoridade, e essa exposição, como vimos, consiste em descrever os fatos da realidade, descrever a norma violada, identificar o desvio entre os fatos e a norma, mostrar como se corrige o desvio e pedir as providências cabíveis.No caso, o promotor é quem é o legitimado pelo Estatuto para propor a ação de suspensão ou perda do pátrio poder, perante o juiz competente. O Conselho leva ao promotor elementos de convicção para que este exerça a representação judicial.
P. QUE É COMPETÊNCIA DO CONSELHO TUTELAR
Competência do Conselho Tutelar é o limite funcional (conjunto das atribuições previstas no art. 136 do ECA) e territorial (locais onde pode atuar) do serviço público por ele prestado à população.
P.1. COMO SE DETERMINA A COMPETÊNCIA TERRITORIAL
A competência territorial tem dois aspectos. O primeiro é o da jurisdição do Conselho Tutelar. Diz-se que o Conselho Tutelar tem jurisdição administrativa sobre determinada área, quando, no espaço físico do Município, a Lei Municipal fixa os limites sobre os quais o Conselho tem o poder de praticar o serviço público previsto em suas atribuições, resolvendo os problemas que lhe são afetos. (Como se viu no comentário à letra A esse poder advém dos artigos 24, XV e par. 1º e 30, I e V da C. F.)Nesse sentido cabe à lei que o cria definir se o Conselho atuará atendendo casos de todo o território municipal, ou se haverá mais de um, cada um deles atuando numa parte definida desse território.O segundo aspecto refere-se ao local de onde provém o tipo de caso levado à apreciação do Conselho Tutelar. Temos aí três considerações: o do domicílio dos pais ou responsável; o do lugar da prática do ato infracional; o do lugar da emissão de rádio ou televisão.
P.2. COMPETÊNCIA PELO DOMICÍLIO
É competente para receber queixas, reclamações ou denúncias, o Conselho Tutelar cuja jurisdição administrativa se estenda ao território onde os pais ou responsável tenham domicílio. Ou seja, existindo pais ou responsável, onde eles mantiverem residência com ânimo de permanência (domicílio), desse pedaço do território municipal é competente o Conselho Tutelar para tomar conhecimento da ameaça ou violação de direitos da criança ou do adolescente.Se só houver um Conselho Tutelar, é ele competente para prestar seus serviços públicos a todos os casos em que os pais residam nesse município.O princípio geral é portanto o seguinte: pouco importa onde o ato ou a omissão foi praticada na ameaça ou violação de direitos de criança ou adolescente. O caso será apreciado pelo Conselho Tutelar do local onde os pais tenham seu domicílio. Se pai e mãe residirem em locais diferentes, em qualquer deles. Se um deles apenas tiver a guarda, prevalece o domicílio deste.
P.3. COMPETÊNCIA PELO LOCAL
Dá-se essa competência quando ocorre a falta dos pais ou responsável. Ou seja, não havendo pais ou responsável, ou não sendo possível identificá-los, é competente para receber queixa, reclamação ou denúncia, o Conselho Tutelar do local onde se encontre a criança ou o adolescente.Para que o próprio Conselho Tutelar não se torne mais um serviço público lesivo aos direitos de crianças e adolescentes, sendo impossível localizar pais ou responsável, deve assumir a proteção do caso o Conselho Tutelar do local onde os lesados se encontrem, evitando toda e qualquer delonga burocratizante.Jamais se poderia admitir que o Conselho retardasse a proteção devida, por questões formais de onde residam ou se encontrem pais ou responsável. Atendido o caso, se a posteriori se identificarem pais ou responsável, o Conselho Tutelar originário informalmente encaminha o caso ao Conselho Tutelar da jurisdição domiciliar, passando-lhe rapidamente a informação que porventura tenha a respeito.O Conselho Tutelar não é criado para disputar com outro quem protege ou não determinada criança. Mas, sim, para dar proteção, como prioridade absoluta (art. 227 C. F.; 4º e 6º2 do ECA).
P.4. COMPETÊNCIA PELO ATO PRATICADO
É competente para atender ao caso, aplicar medidas ou requisitar serviços, o Conselho Tutelar do local onde se deu a prática do ato infracional.Quando o ato é praticado por adolescente, medidas de proteção podem ser aplicadas pelo Judiciário, o qual encaminha o caso para o Conselho Tutelar providenciar como consta do comentário à letra J.Quando o infrator é criança (até 12 anos incompletos) é competente para aplicar medida de proteção, relativa aos pais ou responsável (arts. 101 e 129 do ECA), bem como requisitar serviços públicos, o Conselho Tutelar cuja jurisdição se estende ao local onde o ato foi praticado.Se vários forem os atos praticados e um deles já estiver sendo apreciado por um Conselho, os demais ("prevenção") devem ser a ele anexados, para harmonia da proteção a ser determinada: da mesma forma, se queixas forem feitas a Conselhos diferentes por atos praticados pela mesma criança ("conexão" e "continência"), as matérias devem ser unificadas num deles (por exemplo, o que tenha jurisdição no domicílio dos pais, ou do local onde o serviço requisitado deva ser prestado), também para a harmonia da medida tutelar cabível (ver art. 147, par. 1º ECA).De qualquer forma, a execução das medidas aplicadas poderá sempre ser delegada (transferida) ao Conselho Tutelar competente da residência dos pais ou responsável, ou do local onde se encontra a sede da entidade que abrigar a criança ou o adolescente (art. 147, par. 2º ECA).
P.5. COMPETÊNCIA PELO LOCAL DA EMISSÃO
Já vimos que o Conselho Tutelar tem a atribuição de representar em nome da pessoa e da família contra a violação de direitos cometida através da emissão de rádio ou televisão.O Estatuto prevê (art. 147, par. 3º ECA) que a penalidade a ser aplicada à estação emissora é da competência do Juiz do local da emissão, salvo quando a transmissão atinja mais de uma comarca, caso em que a competência passa a ser do Juiz da sede estadual da emissora ou rede, tendo a sentença eficácia para todas as transmissores ou retransmissoras do respectivo Estado. Assim sendo, recebida a reclamação no município onde se situa, ou na área municipal sob sua jurisdição, o Conselho Tutelar faz a representação ao Juiz da Comarca, se a emissão for local; e encaminha a representação ao Juiz da Comarca da sede estadual da emissora, cumprindo o que determinam os artigos 138 e 147, I e lI do ECA.
Q. COMO SÃO ESCOLHIDOS OS CONSELHEIROS TUTELARES
A regra de escolha dos Conselheiros Tutelares encontra-se nos artigos 132 e 139 do ECA, segundo redação que lhes foi dada pela Lei 8.242 de 12 outubro de 1991:
Art. 132. Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução.
Art. 139. 0 processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a fiscalização do Ministério Público.
Q.1. O QUE QUER DIZER "EM CADA MUNlCÍPlO HAVERÁ, NO MÍNlMO, UM CONSELHO TUTELAR"
Significa que, a critério da comunidade local, o Município pode ter um Conselho Tutelar centralizado para atender a todos os casos de suas zonas urbana e rural, ou pode ter vários Conselhos, distribuídos segundo critérios geográficos perfeitamente definidos na lei que os cria. A divisão geográfica deve ser muito bem feita, no caso de haver mais de um Conselho, para se evitarem conflitos de jurisdição administrativa (ver comentário à letra P).
Q.2. QUEM DECIDE QUANTOS CONSELHOS TUTELARES HAVERÁ
Quem legisla sobre o assunto é a Câmara dos Vereadores, por proposta do Executivo Municipal (ver comentários à letra A). Entretanto, esse é um assunto estatutariamente ligado à comunidade local. O ideal portanto é que uma comissão tripartite (sociedade civil, prefeitura e Câmara) análise todos os ângulos da questão. A análise é feita apreciando-se o volume de casos historicamente encaminhada até2 então à Justiça (anteriormente Juizado de Menores; hoje, Justiça da Infância e da Juventude), mais uma estimativa do volume de casos de lesão aos direitos infanto-juvenis no Município.A Lei pode criar tantos Conselhos quantos forem necessários e os mesmos podem ser implantados concomitante ou sucessivamente, segundo as conveniências e as oportunidades fixadas a critério da comunidade local.Devem-se evitar casos como o de um Município que, tendo cinco pessoas para trabalhar na área de assistência social, pretendia criar quatro Conselhos Tutelares. Ou seja, ficariam vinte pessoas para requisitar serviços e cinco, para executá-las.
Q.3. O QUE É SER REPRESENTATIVO DA COMUNIDADE LOCAL
A Constituição Federal determina que o atendimento dos direitos da criança e do adolescente no Brasil será feito (par. 7º do art. 227 combinado com o art. 204 da C.F.) com a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.A formulação das políticas é cumprida pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. O controle das ações em todos os níveis é feito em dois âmbitos. Ao nível macro das políticas públicas realiza-se também na esfera do Conselho Municipal. Ao nível micro da pessoa e da família lesadas em seus direitos, realiza-se na esfera do Conselho Tutelar.O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente é formado paritariamente entre as entidades governamentais e as não-governamentais representativas da sociedade civil para assuntos ligados à população infanto-juvenil. Ou seja, as entidades são pré-existentes ao Conselho, o qual delas se compõe.O Conselho Tutelar é diferente. Ele é a própria entidade representativa escolhida pela comunidade para fazer o controle ao nível micro-social das lesões a direitos de famílias, crianças e adolescentes.Temos então que as entidades representativas que compõem o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente devem se reunir para, em nome da comunidade local, fornecer ao Poder Executivo e ao Legislativo, os elementos de convicção necessários à confecção da lei que cria o Conselho Tutelar.
Q.4. O QUE QUER DIZER "COMPOSTO DE CINCO MEMBROS"
Significa que a norma geral federal (o Estatuto aprovado por Lei Federal) especifica o número de conselheiros. Nos termos do art. 24 XV, par. 1º e 30, I, lI e V, a lei municipal não pode contrariá-la. Cinco serão os membros de cada Conselho Tutelar.
Q.5. QUAIS OS REQUISITOS PARA SER CANDIDATO AO CONSELHO TUTELAR
Há três requisitos gerais para todo o País, ou seja, válidos para todos os municípios:
• • ter reconhecida idoneidade moral;
• • idade superior a vinte e um anos;
• • e residir no município.
O princípio da municipalização previsto no art. 88 e o da suplementação constante, do inciso lI do art. 30 da Constituição Federal, garantem ao município estabelecer as condições locais necessárias ao cumprimento da elevada função pública de Conselheiro Tutelar, em se tratando de um serviço municipalizado por excelência.
Há portanto requisitos municipais que permitem adequar às peculiaridades locais o perfil do Conselheiro Tutelar mais condizente com a sua comunidade.Notar que o candidato a conselheiro não pode ser "qualquer um", mas sempre um cidadão que goste de crianças, tenha vocação para a causa pública, seja experiente no trabalho com programas de atendimento aos direitos de crianças e adolescentes, conheça sua comunidade, identificando-lhe os desvios no atendimento desses direitos e demonstre conhecer espírito e letra do Estatuto da Criança e do Adolescente, que será seu instrumento de trabalho.Alguns municípios exigem que o candidato tenha nível universitário, dada a complexidade da realidade local e dos processos de correção dos desvios em relação às normas do Estatuto. Outros prescidem desse nível de escolaridade; alguns estabelecem que parte dos candidatos o terão e, os municípios menores, menos problemáticos, exigem nível primário ou secundário.De qualquer forma, as características que deve apresentar o conselheiro não podem ser escolhidas aleatoriamente, de modo que aventureiros não possam vir a ocupar essa importante função de serviço público. Lembrar sempre que a escolha será feita entre pessoas que tenham condições de cumprir com o artigo 60 do Estatuto. Razão pela qual certos municípios exigem, para homologar a candidatura, que os pretendentes se submetam a uma prova e que só os que nela demonstrarem conhecer o Estatuto sejam proclamados candidatos. Se esse for o caso, é recomendável que a prova seja redigida com o maior cuidado possível, para se evitar que o vazamento de quesitos ponha em risco a lisura da escolha.
R. SOBRE O QUE DEVE DISPOR A LEI MUNICIPAL QUE CRIA O CONSELHO TUTELAR
O Estatuto estabelece expressamente que a lei municipal disporá sobre local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar, bem como sobre a eventual remuneração de seus membros. Mas, assim como no caso dos requisitos exigidos dos candidatos a conselheiro, além dessas disposições de caráter estatutário, o Município, no uso das suas prerrogativas constitucionais (art. 30, I, II e V) deve ir além para bem organizar esse serviço público municipal de caráter relevante.
R.1. LOCAL, DIA E HORÁRIO
Basta a leitura das atribuições estatutárias do Conselho Tutelar para se ter idéia de como prever esses requisitos de funcionamento.O local deve ser acessível, de fácil localização pela população mais lesada em seus direitos. O Conselho Tutelar não é mais uma repartição pública onde o povo é submetido à tortura de ser destratado, maltratado e violado em seus direitos de cidadão. Deve ser o contrário disso. Foi criado para fazer o contrário do que repartições, em seus hábitos, usos e costumes, vêm fazendo com a população brasileira, desrespeitada em sua cidadania.O local deve permitir que o atendimento público seja digno, rápido, simples e desburocratizado.É tão dramática a situação de não-oferta ou de oferta irregular de serviços públicos neste país, que os Conselhos Tutelares, pelo menos nesta fase inicial de sua instalação, devem funcionar todos os dias da semana, incluindo-se domingos e feriados.Quanto ao horário de funcionamento, parece evidente que deve o mesmo ocupar os dois turnos do dia, além de plantões para atender queixas, reclamações e denúncias urgentes no período noturno, bem como aos domingos e feriados.A lei deve prever, portanto, claramente, o lugar, dias e período em que os conselheiros vão atender o público (de segunda a sexta-feira, por exemplo, das oito às doze e das quatorze às dezoito horas), Deve ainda prever que um ou mais conselheiros terão seus telefones (também por exemplo) afixados para receber queixas, reclamações e denúncias no período noturno. Deve também deixar claro como o público será atendido aos sábados, domingos e feriados, pois muitas lesões a direitos se dão exatamente pela não oferta de serviços públicos nessas ocasiões. O Conselho Tutelar não pode repetir tais hábitos, usos e costumes, inadequados à cidadania, sob pena de se transformar ele mesmo num novo problema, em vez de constituir-se o meio para a solução de problemas já existentes.Sobre a necessidade de plantões noturnos, em domingos e feriados, lembrar sempre que o atendimento de crianças e adolescentes que o necessitarem deve ser feito no âmbito da política de assistência social (art. 203, C.F.) e não do Conselho Tutelar. Este só será acionado pelo cidadão que, procurando atendimento naquela área do serviço público, não for atendido, caso em que o Conselheiro Tutelar deve fazer a competente requisição de serviço informalmente, até por telefone e, se necessário, formalmente, por escrito.
R.2. EVENTUAL REMUNERAÇÃO DOS CONSELHEIROS
A norma geral federal fala em eventual remuneração. Logo, a comunidade local pode decidir por um Conselho remunerado ou não. O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, por essa mesma norma geral, é não remunerado, pois é composto de representantes de organizações representativas, que se reúnem periodicamente (uma vez ou duas ao mês) para deliberar sobre políticas públicas.Não é o caso do Conselho Tutelar, cujos membros trabalharão (dependendo do tamanho de sua jurisdição e do volume de casos) diariamente, atendendo pessoas, aplicando medidas e requisitando serviços públicos.O nível da remuneração também é proporcional à intensidade e à extensão do trabalho a ser executado e sempre proporcional à escala de vencimentos do funcionalismo público municipal. Ver comentários à letra S.Há casos de municípios pequenos que desejam, em função do seu porte, ter apenas dois ou três conselheiros e remunerá-los. Já vimos que deverão ser escolhidos cinco. Mas há uma fórmula para remunerar apenas parte deles.Basta que a lei municipal crie o Conselho, declare os conselheiros não remunerados, mas estabeleça um regime de trabalho em local, dias e horário definidos, a ser cumprido através de plantões por dois ou três conselheiros, por exemplo. A lei estabelecerá que o conselheiro receberá por plantão cumprido uma gratificação ou "pro labore" específico.Deve-se entretanto cuidar para que as normas gerais desse regime sejam claras e não discriminatórias, prevendo-se com nitidez os critérios de convocação dos plantonistas. Assim fazendo, respeitasse o princípio da isonomia, que consiste em tratar igualmente os iguais (conselheiros não-remunerados) e desigualmente as situações desiguais (conselheiro plantonista recebe por plantão cumprido).
S.O CONSELHEIRO TUTELAR É UM SERVIDOR PÚBLICO?
Sim. O Estatuto qualifica a função de conselheiro como sendo serviço público relevante. Mas o Conselheiro Tutelar não é funcionário público. Servidor público é todo aquele que exerce função pública. Funcionário, o que desempenha cargo em função de carreira, regido por regras específicas do Direito Administrativo. Vereador, Deputado, Secretário de Estado, Conselheiro Tutelar, são servidores mas não funcionários públicos.
O Conselheiro Tutelar é um servidor público cuja função relevante (art. 135 ECA) dura enquanto durar seu mandato de três anos, renovável por mais três. Mesmo remunerado, o trabalho que executa não gera vínculo empregatício com a municipalidade. Não é regido pelas leis trabalhistas, porque não é empregado. Sua função relevante é regida por norma geral federal (o Estatuto) e pode, nos termos dessa mesma norma geral, nem ser remunerado. A lei municipal deve prever (art. 134, par. único ECA) no orçamento, recursos para a manutenção do Conselho, aí incluída a função gratificada de Conselheiro.
T. QUE OUTRAS DISPOSIÇÕES A LEI MUNICIPAL DEVE CONTER
Para evitar problemas futuros, a lei deve dispor também sobre condições da perda do mandato, licenças eventuais dos conselheiros e edição do regimento interno de trabalho. Na letra U. trataremos das que se referem ao processo de escolha dos conselheiros.
T.1. PERDA DO MANDATO
Como ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer coisa alguma senão em virtude de lei (art. 50., lI, C.F.), se a lei municipal não prevê condições de perda, o conselheiro eleito exercerá o mandato até o fim, mesmo se for negligente, não assíduo e incapaz de cumprir com suas funções.Por esse motivo, a legislação municipal deve discriminar cuidadosamente as condições em que o conselheiro será legalmente afastado de suas funções. Sendo o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente o órgão mais alto na hierarquia dos serviços públicos prestados à população infanto-juvenil, a ele deve ser cometida a função e o processamento para declarar, após procedimento adequado, perda ou suspensão do mandato, dando-se posse ao novo conselheiro efetivo.
T.2. LICENÇAS EVENTUAIS DOS CONSELHEIROS
Eventualmente, os conselheiros podem necessitar de licença, seja por interesse particular ou por motivo de saúde. As normas para a percepção dessas licenças devem ser claras e precisas. Caso não haja conveniência de se fixarem regras próprias, a legislação que cria o Conselho pode mandar aplicar ao caso as mesmas regras utilizadas para os funcionários públicos municipais, erigindo-se o Conselho Municipal dos Direitos como instância administrativa para os atos necessários a essa consecução.
T.3. EDIÇÃO DO REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO
Um dos problemas básicos do mundo do Direito é a criação de regras de conduta em causa própria. Por exemplo, no Brasil, o Congresso Nacional fixa regras para o salário do trabalhador e para os próprios congressistas. Nunca é a mesma regra para os dois casos. Essa a razão pela qual a lei municipal deve prever todas as situações que, em normas gerais, devem obrigar o Conselho Tutelar, para que, quando este editar seu regimento interno, o faça dentro de parâmetros objetivos, legalmente instituídos, evitando-se, assim, que os conselheiros acabem legislando em causa própria.Não devemos nos esquecer, mais uma vez, que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Se a lei não fixa limites, os conselheiros não estarão limitados.
U. COMO É O PROCESSO DE ESCOLHA DOS CONSELHEIROS
A lei municipal deve prever como os conselheiros serão escolhidos pela comunidade local. O processo da escolha será da responsabilidade do Conselho de Direitos.Há duas formas básicas para definição desse processo de escolha: um com normas rígidas e completas no texto da própria lei, outro com normas gerais rígidas na lei, contendo autorização legislativa para que o Conselho de Direitos disponha sobre detalhes do processo de escolha.Lembrar sempre que o Conselho de Direitos não tem poderes em si mesmo. Suas prerrogativas emanam sempre da lei, seja ela o Estatuto federal, seja a lei municipal que o suplemente. Assim sendo, ele só pode dispor sobre o processo de escolha, se a lei for clara em lhe conceder essa atribuição.
V. COMO REGISTRAR CANDIDATURAS
As candidaturas podem ser apresentadas individualmente ou por chapas. Elas não tem e não devem ter nada a ver com partidos políticos. Não são candidaturas partidárias. Os candidatos se oferecem para exercer uma função técnica, não política, técnica, porque os conselheiros trabalharão oito horas diárias buscando fins específicos para resolver problemas de pessoas, aplicando medidas que devem ser tecnicamente adequadas a cada caso e requisitando serviços também tecnicamente aptos a resolver problemas concretos. Os candidatos devem ter bom nível intelectual e cultural, além de conhecimento técnico do Estatuto que os tornem aptos a cumprir com suas relevantes futuras funções.As candidaturas serão apresentadas perante o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente na forma prevista na lei, ou na forma prevista na Resolução emitida pelo próprio Conselho, se a lei municipal assim dispuser.
A lei pode prever que essa apresentação seja feita pelos próprios candidatos ou por entidades de atendimento com assento no Conselho Municipal.Ser candidato ao Conselho Tutelar não é um direito da cidadania como o é ser candidato a vereador, prefeito, deputado, etc. Neste último caso, o que está em jogo é o trato dos problemas políticos da sociedade. Naquele, o trato com intrincadas questões técnicas para solução de problemas de crianças e adolescentes no âmbito da família ou da não-oferta ou oferta irregular de serviços públicos obrigatórios.Por essa razão a definição das candidaturas deve ser rigorosa, para filtrar candidatos incapazes de fazer cumprir os fins sociais (art. 60 ECA) a que se destina o Estatuto da Criança e do Adolescente.Apresentadas as candidaturas, as normas do processo de escolha devem prever como se fará a avaliação dos candidatos; se cumprem com os requisitos para a escolha, abrirá prazos para eventuais impugnações, defesa dos interessados e finalmente o registro formal da candidatura.
X. QUEM É IMPEDIDO DE SERVIR COMO CONSELHEIRO?
De acordo com o art. 140 do Estatuto, são impedidos de serviço no mesmo Conselho, marido e mulher, ascendentes e descendentes, sogro e genro ou nora, irmãos, cunhados (durante o cunhadio), tio e sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado.Também não podem servir os que mantiveram tais graus de parentesco com o Juiz ou o Promotor da Infância e Juventude com atuação local.
Z. COMO A COMUNIDADE ESCOLHE OS CONSELHEIROS
O Estatuto diz que a escolha é da comunidade. Se houver consenso entre as entidades que tratam de crianças e adolescentes no Município, a lei pode prever que a escolha será feita indiretamente, num processo de que participem apenas essas entidades. Deve-se cuidar para que nenhuma possível entidade da área seja discriminada, deixada de fora do processo, caso em que ela poderia impugnar a escolha. Assim, o melhor é fazer um editei amplamente divulgado, convocando as entidades que desejarem. Quem não comparecer não terá como reclamar, pois "o direito não socorre aos que dormem".Mais democrático, entretanto, será promover a escolha através de uma eleição facultativa aos cidadãos do município. Nesse caso, a eleição nada terá a ver com o Direito Eleitoral como em algumas localidades ocorreu. O Direito Eleitoral só tem a ver com a constituição dos Poderes da República. O Conselho Tutelar é um órgão técnico-administrativo e a eleição de seus membros é regida pela norma geral do Estatuto, suplementada por lei municipal (arts. 204, 24, XV e par.10. e 30 I, II e V da C.F.).
As normas do processo de escolha através da eleição (se for o caso) devem prever a convocação dos eleitores através de edital, o local onde ficarão as urnas, a forma de identificação do eleitor, o processo de apuração, a proclamação dos eleitos e a forma de posse.Empossados, os conselheiros representarão a sociedade, com o encargo (art. 131 ECA) de "zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente" o que, como vimos (letra A.), consiste em comparar a situação real, concreta, vivida pela população infanto-juvenil, com as normas constantes do livro I do Estatuto. Havendo desvio, cabe-lhes promover a devida correção, nos termos do Livro II do Estatuto.
APENAS O CONSELHO TUTELAR NÃO BASTA
A maior parte dos municípios do Estado do Paraná já conta com seus Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e Tutelar criados e em funcionamento.
Infelizmente, sérios problemas estruturais nesses órgãos ainda são detectados, sendo basicamente decorrentes da falta de compreensão, por parte de governantes e dos próprios conselheiros, de sua importância capital para o efetivo cumprimento da lei e da Constituição e implantação do sistema de garantias idealizado para a área infanto-juvenil.
Via de regra, os Conselhos Municipais de Direitos são vistos como meros "apêndices" da prefeitura, com função meramente consultiva, quando na verdade, como sabemos, são eles órgãos completamente AUTÔNOMOS, da qual a "prefeitura" faz parte, através de sua ala governamental, mas que para funcionar validamente, e ter a necessária LEGITIMIDADE para o cumprimento de sua MISSÃO CONSTITUCIONAL de FORMULAR E CONTROLAR A EXECUÇÃO DA POLÍTICA para a área da infância e juventude, OBRIGATORIAMENTE deverão ser também integrados por REPRESENTANTES DA SOCIEDADE CIVIL local (diga-se ala não governamental), que se espera sejam totalmente DESVINCULADOS política e ideologicamente do governo municipal e PARTICIPEM DE FORMA ATIVA das discussões e deliberações respectivas.
A omissão dos Conselhos Municipais de Direitos em elaborar uma verdadeira política de atendimento para a área da infância e juventude, acaba comprometendo sobremaneira o funcionamento dos Conselhos Tutelares, que ficam sem ter à sua disposição uma estrutura mínima indispensável ao exercício de suas relevantes atribuições.
Nunca é demais lembrar que a política de atendimento para a área infanto-juvenil, ao contrário do que pensam muitos governantes, não se resume à criação e implantação dos Conselhos Tutelares, que como sabemos são apenas órgãos também AUTÔNOMOS, totalmente DESVINCULADOS (sob o ponto de vista funcional) do Poder Público local, composto por representantes da sociedade que irão SUBSTITUIR as funções do Juiz da Infância e Juventude (e mesmo da autoridade policial, no caso da criança acusada da prática de ato infracional), dando os necessários ENCAMINHAMENTOS para os programas de atendimento existentes no município.
Sem que o Conselho Tutelar tenha à sua disposição tais programas, muito pouco poderá o órgão fazer, pois não terá para onde encaminhar os casos atendidos.
De igual sorte, como não é (nem deve ser) exigido que os candidatos ao Conselho Tutelar sejam técnicos da área social, sem que o órgão tenha à sua disposição uma EQUIPE INTERPROFISSIONAL (ou multidisciplinar) composta de, ao menos, um psicólogo, um assistente social e um pedagogo, em boa parte dos casos atendidos, em especial nos mais complexos (que assim demandam maior cautela), não terá um "diagnóstico" preciso e confiável da situação e não saberá o que fazer, acabando por aplicar medidas inadequadas, ineficazes ou mesmo inexeqüíveis (seja pela falta do programa, seja pela falta de um acompanhamento técnico de seu cumprimento por parte de seu destinatário) comprometendo assim a própria validade de sua intervenção.
Claro está, portanto, que a criação e efetiva implantação dos Conselhos Tutelares nos municípios, embora necessária face a sistemática idealizada pela Lei nº 8.069/90 para o atendimento de crianças e adolescentes, NÃO BASTA, devendo ser estes órgãos dotados de uma ESTRUTURA DE "RETAGUARDA" que possibilite o desempenho de suas relevantes atribuições, consistente em uma EQUIPE TÉCNICA nos moldes do acima referido e de um mínimo de programas de prevenção e proteção, destinados a crianças, adolescentes e famílias, de acordo com as demandas e prioridades de cada município.
Nesse contexto, cabe ao Conselho Municipal de Direitos passar a cumprir de forma ISENTA e RESPONSÁVEL a missão que lhe foi reservada pela Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente, de modo a efetuar um levantamento, junto ao(s) Conselho(s) Tutelar(es), Juizado da Infância e Juventude e outros órgãos e entidades de atendimento de crianças e adolescentes existentes no município que venha a apurar quais as maiores deficiências e problemas a serem enfrentados pela POLÍTICA DE ATENDIMENTO a ser com base em tais dados elaborada.
Uma vez que o Conselho de Direitos DELIBERE pela criação e/ou manutenção de programas de atendimento que permitam ao(s) Conselho(s) Tutelar(es) a aplicação de medidas de proteção a crianças, adolescentes e suas famílias, o Poder Público municipal[1], em cumprimento ao disposto no art.227, caput da Constituição Federal e art.4º, par. único, alíneas "c" e "d" da Lei nº 8.069/90, fica OBRIGADO a providenciar, com a ABSOLUTA PRIORIDADE que a matéria reclama[2], seja esta ESTRUTURA DE ATENDIMENTO implantada da forma mais célere possível, inclusive sob pena de, por omissão na prática de ato de ofício, ser responsabilizado pela prática de CRIME DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR ATENTADO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ex vi do disposto no art.11, inciso II da Lei nº 8.429/92, que segundo o art.12, inciso III tem como sanção prevista a PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA, SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DE 03 (TRÊS) A 05 (CINCO) ANOS, MULTA CIVIL DE ATÉ 100 (CEM) VEZES O VALOR DA REMUNERAÇÃO PERCEBIDA, dentre outros, sem embargo do eventual enquadramento no art.1º, inciso XIV do Decreto-lei nº 201/67, por NEGATIVA DE EXECUÇÃO A LEI FEDERAL (no caso a de nº 8.069/90), nos moldes do acima referido.
De igual sorte, nos termos do disposto no art.134, par. único da Lei nº 8.069/90, ao Poder Público também cabe ESTRUTURAR o Conselho Tutelar para que o órgão possa funcionar de forma adequada, dando o melhor atendimento possível à população, o que ocorrerá não apenas através do fornecimento de sede, telefone, veículo e pessoal de apoio administrativo próprios, material de expediente e outros recursos materiais necessários, mas também por intermédio da contratação (ou lotação) de uma EQUIPE INTERPROFISSIONAL que dará ao órgão o suporte técnico IMPRESCINDÍVEL para boa parte de suas deliberações, bem como ainda servirá para um melhor acompanhamento dos casos e para própria execução de determinadas medidas (como a o acompanhamento e orientação temporárias, a orientação psicológica etc.).
A importância de tais estruturas dispensa maiores comentários, pois a sistemática de atendimento idealizada pela Lei nº 8.069/90, com vista à PROTEÇÃO INTEGRAL de crianças e adolescentes tal qual preconizado pelo Constituição Federal, verdadeira e necessariamente PRESSUPÕE sua existência, fazendo com que a omissão do Poder Público municipal em criá-las e/ou mantê-las coloque TODAS as crianças e adolescentes do município EM SITUAÇÃO DE RISCO nos moldes do disposto no art.98, inciso I, segunda parte, da Lei nº 8.069/90, autorizando o Ministério Público a ingressar com AÇÃO CIVIL PÚBLICA para ver a lei integralmente cumprida, ex vi do disposto no art.201, incisos V e VIII c/c arts.208 e par. único e 210, inciso I, todos do mesmo Diploma Legal, valendo também observar o disposto no art.216 da legislação tutelar, instituído justamente na perspectiva de ver efetivada a RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E CRIMINAL da autoridade que se omitiu em proporcionar a crianças e adolescentes a PROTEÇÃO INTEGRAL de seus direitos fundamentais.
Diante do exposto, conclui-se que a criação e implantação, no município, de um ou mais Conselhos Tutelares, constitui-se apenas no cumprimento de UMA das OBRIGAÇÕES do Poder Público municipal face o SISTEMA DE GARANTIAS idealizado pela Lei nº 8.069/90 para a PROTEÇÃO INTEGRAL de crianças e adolescentes, ficando este TAMBÉM OBRIGADO a garantir ao órgão uma ESTRUTURA DE "RETAGUARDA" indispensável a seu adequado funcionamento (diga-se correta aplicação e devido acompanhamento e execução de medidas de proteção), com a contratação e/ou manutenção/lotação de uma EQUIPE INTERPROFISSIONAL composta de, no mínimo, um psicólogo, um pedagogo e um assistente social, bem como a providenciar a criação e/ou manutenção, de acordo com a POLÍTICA DE ATENDIMENTO traçada pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, de PROGRAMAS DE PREVENÇÃO E PROTEÇÃO A CRIANÇAS, ADOLESCENTES E FAMÍLIAS, aos quais correspondam as medidas previstas nos arts.101 e 129 da legislação tutelar.
Caso assim não proceda, cabe ao Ministério Público promover a devida RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E CRIMINAL do administrador responsável pela omissão lesiva aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, sem embargo de, concomitantemente e em conjunto com os demais legitimados relacionados no art.210 da Lei nº 8.069/90, promover a AÇÃO CIVIL PÚBLICA para a completa efetivação de tais direitos.
Somente assim se estará garantindo que as crianças e adolescentes do município recebam a PROTEÇÃO INTEGRAL a seus direitos fundamentais que lhes é assegurada pela Constituição Federal em caráter de ABSOLUTA PRIORIDADE.
Murillo José Digiácomo
Promotor de Justiça
Algumas considerações sobre a
Composição do Conselho Tutelar
Em razão de minhas atribuições junto ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná, tenho recebido com freqüência informações e questionamentos acerca de uma situação que tem se mostrado recorrente não apenas nesta Unidade da Federação mas também em todo o Brasil: o funcionamento do Conselho Tutelar com um número de integrantes inferior ao legal, que como sabemos, na forma do disposto no art.132 da Lei nº 8.069/90 é igual a 05 (cinco).
Tal situação altamente irregular, que a meu ver coloca em xeque a própria existência do Órgão enquanto colegiado que é, comprometendo assim sua legitimidade e representatividade popular, bem como a legalidade e eficácia de suas ações[2], ocorre pelas mais diversas razões, sendo as mais comuns:
a) a previsão, já na própria Lei Municipal que cria o Conselho Tutelar, que este será composto por um número de membros inferior ao fixado pela citada Norma Federal ou, como é mais usual, o estabelecimento naquela legislação de um tratamento diferenciado entre os conselheiros tutelares, de modo que apenas um (o "presidente" do Órgão, sempre o candidato mais votado), ou alguns deles, são subsidiados pela municipalidade, exercendo integralmente as atribuições do Órgão, ficando a atividade dos demais restrita aos "plantões", à participação em diligências e/ou às "sessões deliberativas" (que quase nunca ou nunca de fato ocorrem);
b) o progressivo desligamento, por renúncia ou outros fatores, dos conselheiros tutelares titulares e a inexistência, insuficiência ou desinteresse dos suplentes para assunção de suas funções.
No primeiro caso, verifica-se a ocorrência da própria inconstitucionalidade da Lei Municipal, seja por ter ela extrapolado o âmbito de sua competência legislativa, seja por afronta direta às próprias regras e princípios legais e constitucionais aplicáveis à matéria.
Com efeito, primeiramente devemos considerar que, ao tratar da competência para legislar sobre "proteção à infância e juventude" (verbis), o art.24, inciso XV da Constituição Federal, permitiu a concorrência entre a União, os Estados e o Distrito Federal, tendo propositalmente deixado de fora os municípios como entes legitimados para tanto, como se pode aferir também do rol de matérias que são de competência legislativa do município, constante do art.30 da mesma Carta Magna.
A competência legislativa do município em circunstâncias como a acima versada é estabelecida segundo a regra contida no art.30, inciso II da Constituição Federal, cujo teor é o seguinte:
"Art.30. Compete aos Municípios:
I - (omissis);
II - SUPLEMENTAR a legislação federal e estadual NO QUE COUBER..."
(verbis - grifei).
A clareza cristalina do permissivo constitucional acima transcrito não deixa dúvidas que, em havendo legislação federal (ou estadual) específica acerca de determinada matéria[3], a competência legislativa do município será sempre suplementar, e ocorrerá apenas ante a omissão do texto legal respectivo, não podendo alterar o conteúdo ou a essência da matéria regulada.
O dicionário[4] define o verbo suplementar como sendo o ato de "acrescer alguma coisa a, suprir ou compensar a deficiência de", não significando em hipótese alguma, substituir ou alterar a matéria suplementada.
Juridicamente falando, por óbvio também não é possível que o município, usando de sua competência legislativa suplementar, modifique disposições expressas ou mesmo tácitas contidas na legislação federal ou estadual respectiva ou subverta seus fundamentos e objetivos, somente podendo a regulamentação suplementar atingir aquilo nela não previsto.
Em outras palavras, a Constituição Federal não confere ao município a competência para legislar em desacordo com a legislação federal ou estadual, sendo inadmissível que a legislação municipal suplementar venha a revogar, expressa ou tacitamente, aquela regulamentação original ou de qualquer modo venha a afrontar os princípios que a inspiram e norteiam.
Assim sendo, é elementar que a legislação municipal que trata dos Conselhos Tutelares deve ser fiel à legislação federal correspondente, no caso a Lei Federal nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, somente podendo incidir naquilo por ela não regulado e sem contrariar qualquer de suas disposições e princípios, sob pena de nulidade absoluta.
Dada disposição clara e soberana da citada Lei Federal no que concerne à composição invariável do Conselho Tutelar, não há margem alguma para que a legislação municipal disponha de maneira diversa acerca do número de conselheiros tutelares em exercício, que será sempre de 05 (cinco), para cada Órgão que for criado.
E se a Lei Federal nº 8.069/90, em seu art.132 teve o cuidado de estabelecer que o Conselho Tutelar, cuja criação e manutenção é obrigatória em cada município, deve ser invariavelmente composto de 05 (cinco) membros, é deveras elementar que desejou o legislador que todos exercessem as mesmas funções, em absoluta igualdade de condições, pois quisesse ser flexível no número de componentes do órgão ou a eles conferir um tratamento diferenciado, o teria feito de maneira expressa, como aliás fez no que diz respeito à "remuneração" dos conselheiros tutelares, que por força do disposto no art.134, caput do mesmo Diploma Legal, é apenas facultativa.
O número fixo de 05 (cinco) integrantes para cada Conselho Tutelar em atividade no município, assim como o tratamento igualitário entre todos os integrantes do Órgão, que obviamente devem exercer as MESMAS funções, se constitui em verdadeira conditio sine qua nom para o funcionamento válido e para própria existência do Órgão Tutelar como tal considerado.
O entendimento supra decorre da elementar constatação de que, se a lei prevê que o Conselho Tutelar seja obrigatoriamente composto por cinco membros, e a população escolhe cinco para o desempenho da mesma função, não há razão alguma para que seja dado um tratamento diferenciado entre os escolhidos, aos quais deve ser assegurada absoluta IGUALDADE de direitos e deveres, única forma de fazer com que o Órgão preste um atendimento minimamente adequado à população local.
Jamais podemos perder de vista que o Conselho Tutelar é um órgão colegiado, que verdadeiramente substitui as funções do Juiz da Infância e Juventude no que diz respeito à aplicação de medidas de proteção a crianças, adolescentes e famílias (inteligência dos arts.131, 136 e 262 da Lei nº 8.069/90), sendo absolutamente autônomo notadamente face o Poder Executivo local.
Não pode, assim, ser o Conselho Tutelar considerado uma espécie de "programa de atendimento da prefeitura", nem os conselheiros tutelares serem tratados como funcionários públicos[5] comuns (quando não de "segunda categoria") que, agindo isoladamente, cumprem expediente e prestam atendimento à população.
O Conselho Tutelar é muito mais do que isso, devendo o Órgão, como um todo (e com TODOS os seus CINCO integrantes), atuar de forma itinerante e preventiva, saindo à busca de situações que representem simples ameaça aos direitos de crianças e adolescentes, e tomando providências para evitar venham a resultar em violação destes mesmos direitos.
O conselheiro tutelar, por sua vez, exerce uma atividade que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente define como sendo um "serviço público relevante" (art.135 - verbis), merecendo ser enquadrado no conceito de agente político assim definido pelo saudoso HELY LOPES MEIRELLES:
"AGENTES POLÍTICOS: São os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam com plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas pela Constituição e em leis especiais. Não são servidores públicos, nem se sujeitam ao regime jurídico único estabelecido pela Constituição de 1988. Têm normas específicas para sua escolha, investidura, conduta e processo por crimes funcionais e de responsabilidade, que lhe são privativos.
Os agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, (...), decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência. São as autoridades públicas supremas do Governo e da Administração na área de sua atuação, pois não estão hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais e de jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional, equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos (...).
"Realmente, a situação dos que governam e decidem é bem diversa das dos que simplesmente administram (...). Daí porque os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções (...)" (In Direito Administrativo Brasileiro. 22ª Edição. Malheiros Editores, São Paulo, 1997, págs.72/73).
Nesse contexto, em função da relevância do papel do Conselho Tutelar para a perfeita integração do Sistema de Garantias idealizado pelo legislador Estatutário, não é difícil perceber que qualquer regra local que tente quebrar ou burlar o comando emanado da Legislação Federal, máxime quando procura enfraquecer ou comprometer a eficácia do trabalho do Órgão Tutelar enquanto colegiado e/ou de seus membros, padece do vício insanável da nulidade, por inconstitucionalidade manifesta resultante da falta de competência legislativa do município e também por afronta à DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL e ao PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA à área infanto-juvenil, insculpidos no art.227, caput da Carta Magna.
Mais uma vez, diante das regras e princípios soberanos do Estatuto da Criança e do Adolescente, não fica margem alguma para que a legislação municipal disponha de maneira diversa acerca do exercício das funções dos membros do Conselho Tutelar, máxime quando isto irá comprometer sobremaneira o atendimento da população infanto-juvenil local através da redução do número de conselheiros que irão, de fato, exercer as atribuições do Órgão em sua integralidade.
Mesmo quando a Lei Municipal aparentemente não altera o número de conselheiros tutelares, prevendo, por exemplo, que alguns dos conselheiros (notadamente os não subsidiados) continuariam a exercer "funções deliberativas" ou "plantões", não há como deixar de reconhecer que tal previsão legal representa uma burla ao disposto no citado art.132 da Lei nº 8.069/90, que consoante acima mencionado, foi intransigente no que diz respeito ao número de membros do Conselho Tutelar que, por óbvio, devem exercer suas relevantes atribuições de forma conjunta e absolutamente igualitária.
A propósito, vale mencionar que o tratamento desigual eventualmente dispensado pela Lei Municipal no que diz respeito ao exercício das atribuições dos "conselheiros subsidiados" e dos "conselheiros não subsidiados", além de ferir o espírito da Lei nº 8.069/90 e as regras estabelecidas com vista à proteção integral de crianças e adolescentes, afronta diretamente também o PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA, insculpido no art.5º, caput e inciso I da Constituição Federal.
Com efeito, como dito acima, o Conselho Tutelar foi concebido como um órgão colegiado, no qual todos os seus CINCO membros, por força de Lei Federal, são igualmente encarregados "pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente" (art.131 da Lei nº 8.069/90 - verbis/omissis), tarefa que todos sabemos ser árdua e que exige o máximo de empenho de cada um.
Quis o legislador federal, como não poderia deixar de ser, que todos os conselheiros tutelares exercessem as mesmas atribuições em absoluta igualdade de condições, sem privilégio ou menoscabo das atividades de uns em relação aos demais.
Uma vez que, na forma da citada Lei Federal, todos os 05 (cinco) conselheiros tutelares são escolhidos pela sociedade para o desempenho das mesmas funções, o que como dito é absolutamente imprescindível para o adequado e válido funcionamento do Órgão, não pode o legislador municipal dispor de forma diversa, estabelecendo regras que venham a quebrar a igualdade com que todos devem atuar e serem tratados, sob pena de causar prejuízo direto às crianças e adolescentes que serão por eles atendidos.
Assim sendo, sob pena de afronta também ao princípio constitucional da isonomia, não pode a Lei Municipal, por exemplo, criar duas espécies de conselheiros tutelares que irão atuar no mesmo Órgão: os que exercem normalmente a integralidade das atribuições previstas na legislação Federal, sendo por tal atividade subsidiados pela municipalidade, e os que exercem "função apenas deliberativa" e/ou apenas "realizam plantões", para o que nada receberão em contrapartida[6].
Em suma, por imperativos legal e constitucional, todos os conselheiros tutelares devem exercer as mesmas funções, sendo portanto merecedores de um tratamento rigorosamente igualitário: todos devem ter o mesmo horário de expediente normal diário, participar da mesma escala de plantões e, se for o caso[7], perceber os mesmos subsídios.
Não se trata, pois, de discutir se a concessão de subsídios aos conselheiros tutelares pela municipalidade é ou não obrigatória, matéria que é superada pela literal disposição do art.134, caput e in fine da Lei nº 8.069/90, que diz textualmente ser ela facultativa, mas sim reconhecer que, se a opção do legislador municipal for pela garantia dessa importante (e a nosso ver imprescindível) contrapartida financeira, deve ser ela estendida a todos os conselheiros tutelares, que por sua vez deverão exercer as mesmas atribuições, previstas na citada Lei Federal, em sua integralidade e em absoluta igualdade de condições.
A propósito da concessão de subsídios aos conselheiros tutelares, é preciso que se diga, que apesar de o citado art.134, caput e in fine, da Lei nº 8.069/90 não torná-la obrigatória, a extrema relevância de suas atribuições, somada às dificuldades encontradas no desempenho da função (inclusive sob o ponto de vista emocional), e a necessidade de seu exercício em regime de dedicação exclusiva, em tempo integral, com atuação de forma itinerante e preventiva, única forma de dar o mais completo e necessário atendimento à população infanto-juvenil local, verdadeiramente exigem a contrapartida financeira àquele que exerce a função, devendo os subsídios serem ainda fixados em patamar elevado.
A experiência tem demonstrado que em municípios onde o Conselho Tutelar não tem seus integrantes subsidiados pela municipalidade, o atendimento prestado é deficiente, assim como reduzido é o número de interessados em assumir a função, comprometendo desse modo a própria existência do Órgão a médio prazo, dada possibilidade de recondução dos conselheiros tutelares por uma única vez.
Evidente que é absolutamente inaceitável o sempre utilizado argumento de que "não existem recursos para subsidiar os conselheiros tutelares", pois a garantia de prioridade absoluta que por mandamento constitucional deve ser destinada à área da infância e juventude por parte do Poder Público fulmina por completo a discricionariedade do administrador e, segundo comando legal expresso[8], importa na destinação privilegiada de RECURSOS PÚBLICOS, ex vi do disposto no art.4º, par. único, alínea "d" da Lei nº 8.069/90, que deverão ser utilizados inclusive para assegurar o regular funcionamento do Conselho Tutelar, com o pagamento de subsídios a todos dos conselheiros, tarefa que incumbe ao município em função do disposto no art.134, par. único do citado Diploma Legal.
b) No que diz respeito ao funcionamento do Conselho Tutelar com número de membros inferior ao legal em razão do progressivo desligamento, por renúncia ou outros fatores, dos conselheiros tutelares titulares e/ou a inexistência, insuficiência ou desinteresse dos suplentes para assunção de suas funções, é óbvio que são válidos todos os argumentos anteriormente expendidos, igualmente inadmissível que é possa o Órgão atuar desfalcado de seus 05 (cinco) integrantes regulamentares.
Mais uma vez é de se ressaltar que o Conselho Tutelar é um órgão colegiado, e somente como tal pode funcionar, não sendo lícito ao conselheiro tutelar, agindo isoladamente, aplicar medidas, efetuar requisições, enfim, exercer quaisquer das atribuições estabelecidas pelo art.136 da Lei nº 8.069/90.
As decisões do Conselho Tutelar somente terão validade, inclusive para fins de incidência do disposto no art.249 da Lei nº 8.069/90, se resultarem da deliberação, ainda que por maioria de votos, do colegiado, tomada esta em reunião própria que deve o Órgão realizar periodicamente, de acordo com a demanda local e com o que dispuser seu regimento interno[9].
Para que não ocorram prejuízos ao regular funcionamento do Órgão e, por via de conseqüência, às crianças e adolescentes por ele atendidas, deve a legislação municipal contemplar mecanismos que garantam o funcionamento ininterrupto do Conselho Tutelar enquanto colegiado, tendo sempre garantida sua composição legal obrigatória.
Assim sendo, no caso de licenças ou férias de um ou mais conselheiros tutelares titulares, deve-se de imediato convocar seus suplentes, que obviamente, pelo tempo que exercerem a função, deverão ser proporcionalmente subsidiados pela municipalidade.
O ponto nevrálgico da questão reside naqueles casos em que, como consta do enunciado, não mais existirem suplentes a convocar, e o número de conselheiros tutelares em exercício ficar aquém do estabelecido pelo citado art.132 da Lei nº 8.069/90.
O que se tem visto acontecer é a convocação de novo processo de escolha para o preenchimento da(s) vaga(s) existente(s), sendo que até a posse dos novos conselheiros, o Conselho Tutelar permanece em atividade desfalcado de um, dois ou até quatro de seus membros.
Tal solução, embora defendida com veemência pela maioria dos estudiosos no assunto, por diversas razões não nos parece, data venia, a mais adequada.
Com efeito, em primeiro lugar permite que o Conselho Tutelar funcione, muitas vezes por meses a fio, de forma manifestamente irregular, não raro perdendo sua característica de Órgão colegiado e por via de conseqüência a própria legitimidade para suas decisões, invariavelmente prejudicando o atendimento à população durante o período respectivo.
Em segundo, porque cria situações inusitadas e de difícil equacionamento, como é o caso da definição do tempo de duração do mandato dos conselheiros tutelares escolhidos para as vagas existentes.
Será ele de 03 (três) anos, na forma do previsto também no art.132 da Lei nº 8.069/90, ou será apenas um "mandato-tampão" para o período que restar aos demais conselheiros ainda em atividade?
Neste último caso, como justificar a convocação de um processo eleitoral para escolha de um, dois ou até quatro conselheiros tutelares para o exercício de um mandato de duração inferior ao previsto na Legislação Federal específica? Haverá interessados em se candidatarem para um mandato-tampão que poderá durar apenas alguns meses, notadamente face a restrição estabelecida pelo art.132, in fine, da Lei nº 8.069/90[10]? E em caso negativo, o que fazer?
Se já é difícil responder a tais questionamentos, complicada também a situação se concluirmos pelo exercício da integralidade do mandato de 03 (três) anos para cada novo processo de escolha deflagrado, pois em breve poderemos ter 05 (cinco) conselheiros tutelates cumprindo mandatos distintos, com a necessidade de convocação, ao longo de um período de 03 (três) anos, de até 05 (cinco) processos de escolha também distintos, o que acaba por gerar enorme desperdício de recursos e desgaste emocional tanto para os candidatos quanto para os eleitores, que poderão perder o interesse em participar de tão grande número de pleitos para a mesma finalidade.
A nosso ver, nenhuma das citadas soluções satisfaz, pois permite o funcionamento do Conselho Tutelar em desacordo com a legislação específica já mencionada e em prejuízo direto das crianças e adolescentes que o Órgão deve (ou ao menos deveria) atender.
A única alternativa restante, embora drástica e nem um pouco simpática, é o reconhecimento de que o Conselho Tutelar, uma vez que passe a contar com um número de integrantes inferior àquele fixado, de forma invariável, pelo art.132 da Lei nº 8.069/90, e não mais existam suplentes a convocar para assumirem a(s) vaga(s) existente(s), de fato e de direito estará automaticamente DISSOLVIDO.
Como conseqüência, os demais conselheiros tutelares deverão ter seus mandatos considerados EXTINTOS e o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente local terá de deflagrar, de imediato, NOVO PROCESSO DE ESCOLHA para o preenchimento da TOTALIDADE das 05 (CINCO) VAGAS regulamentares.
Enquanto não for dada posse ao novo Conselho Tutelar, as atribuições a ele inerentes serão exercidas pelo Juiz da Infância e Juventude da Comarca, aplicando-se analogicamente o disposto no art.262 da Lei nº 8.069/90.
O entendimento supra decorre da constatação de que a Lei Federal pressupõe que o Conselho Tutelar funcione como um todo, Órgão colegiado que é, não sendo possível "fracioná-lo" entre seus diversos componentes.
O próprio mandato a que se refere o citado art.132 da Lei nº 8.069/90 não pertence ao conselheiro isoladamente considerado, mas sim ao colegiado, aí compreendidos os suplentes legalmente habilitados no mesmo pleito. Daí porque o suplente, seja quando for convocado a assumir a função, ainda que em caráter definitivo face a renúncia, morte ou desligamento do titular, terá seu mandato encerrado juntamente com todos os conselheiros que, desde o primeiro dia, a vêm exercendo regularmente, mesmo se aquele, ao final, venha a apresentar um período de efetivo exercício da função inferior aos 03 (três) anos regulamentares.
Se aceitarmos a possibilidade de o Conselho Tutelar, nas condições acima referidas, funcionar, ainda que provisoriamente, com 04 (quatro) integrantes, teremos de pelos mesmos fundamentos também aceitar que poderá o Órgão funcionar com 03 (três), 02 (dois) e até mesmo 01 (um) único membro dentre os originalmente escolhidos para aquele mesmo mandato.
Diante de tal situação, que infelizmente não é de rara ocorrência, cumpre perguntar: como pode um Órgão composto por 01 (um) ou 02 (dois) integrantes ser considerado um "Conselho" e/ou "colegiado"? Como poderá deliberar validamente? E no caso de funcionar com apenas 02 (dois) membros, se houver empate na votação acerca da solução a ser adotada, como será o impasse resolvido?
Como vimos, a Lei Federal foi categórica ao fixar em 05 (cinco) o número de membros do Conselho Tutelar, que juntamente com seus respectivos suplentes são escolhidos para o exercício de um mandato único, devendo funcionar como órgão colegiado, que salvo em situações excepcionalíssimas e plenamente justificadas pelas circunstâncias, não pode prescindir da presença de um único integrante sequer, quer no atendimento diário ao público, quer nas seções deliberativas periódicas, onde são tomadas, por maioria de votos, suas decisões.
Inexiste qualquer ressalva ou mesmo possibilidade de interpretação da Legislação Federal que permita o funcionamento do Conselho Tutelar com um número de componentes inferior ao legal, pois isto lhe desvirtuaria a essência e permitiria a criação de situações absurdas como as acima mencionadas, o que por certo jamais foi a intenção do legislador.
É até natural que se defenda a "sobrevivência" do Conselho Tutelar quando seu número de integrantes se tornar inferior a 05 (cinco) e não houver suplentes a convocar, pois afinal a "permanência" do Órgão é uma de suas características expressamente previstas no art.131 da Lei nº 8.069/90, e a interrupção do funcionamento de um dos principais componentes do Sistema de Garantias idealizado pelo legislador para a Proteção Integral de crianças e adolescente é sempre traumática e indesejável.
As conseqüências de um funcionamento irregular do Órgão, no entanto, podem ser ainda mais prejudiciais à população que o mesmo visa atender do que o singelo retorno de suas atribuições à autoridade judiciária, que passará a exercê-las com a colaboração do representante do Ministério Público que oficia junto à Vara respectiva e ainda terá à sua disposição, além de todo suporte administrativo de que antes se valia o Conselho Tutelar (que obviamente não se justifica seja temporariamente "desmontado" e/ou "desmobilizado"), o próprio pessoal que presta serviço ao Juizado da Infância e Juventude, aí incluída a equipe multiprofissional de que tratam os arts.150 e 151 da Lei nº 8.069/90, se houver.
A situação extrema e indesejável acima referida pode ser evitada, no entanto, desde que sejam tomadas algumas cautelas básicas a nível de legislação municipal:
1 - Deve-se evitar a previsão, como ocorre em algumas leis municipais, de que a candidatura ao Conselho Tutelar ocorra através da formação de chapas, na qual conste, de antemão, a relação dos conselheiros titulares e seus suplentes. Além de a formação de chapas reduzir as possibilidades de escolha do eleitor (podendo gerar desinteresse pelo pleito), não raro havendo uma ou, no máximo duas concorrentes, a limitação do número de suplentes (apenas cinco) poderá fazer com que, ao longo do triênio de duração do mandato, não sejam eles suficientes para preencher as vagas que poderão surgir;
2 - De igual sorte, deve-se evitar a previsão, bastante comum, de que "para cada conselheiro titular haverá UM suplente", o que também limita o número destes a apenas 05 (cinco) e fatalmente acabará gerando a mesma situação referida no item supra;
3 - O correto é estabelecer uma sistemática na qual a candidatura seja individual e todos os candidatos que obtiverem votos por ocasião do pleito sejam considerados suplentes "natos" dos conselheiros escolhidos, sendo chamados a assumir a função na vaga destes pela ordem de votação. Assim, não haverá limite para o número de suplentes que poderão, ao longo do triênio regulamentar, assumir a função, muito embora seja salutar estabelecer um número mínimo de candidatos (e por via de conseqüência de suplentes) para permitir a própria realização do pleito, através de um previsão legal segundo a qual "para cada conselheiro titular haverá AO MENOS um suplente" (ou coisa que o valha);
4 - Deve a Lei Municipal prever que, quando das licenças, férias e/ou afastamento, por qualquer razão, de um ou mais conselheiros tutelares em atividade, de imediato serão convocados os respectivos suplentes, que exercerão regularmente as mesmas atribuições no período e terão direito aos subsídios correspondentes;
5 - Deve-se também prever, de maneira expressa na legislação municipal, a referida extinção automática do mandato de todos os conselheiros tutelares quando, por renúncia ou outros fatores, o número de conselheiros em exercício se tornar inferior ao legal e inexistirem ou houver desinteresse dos suplentes em assumirem suas funções, tudo de modo a evitar, ou ao menos minimizar a possibilidade, de questionamento de tal entendimento na via judicial;
5.1 - A previsão acima referida deve contemplar também a obrigatoriedade da imediata convocação de novo processo de escolha por parte do CMDCA local, passando as atribuições e pessoal técnico a serviço do Conselho Tutelar para o auxílio do Juiz da Infância e Juventude;
6 - Por fim, porém não menos importante, se encontra a necessidade de valorização do trabalho do conselheiro tutelar, através da fixação de seus subsídios em um patamar condizente com a extrema relevância de suas atribuições, bem como pelo fornecimento de uma retaguarda técnica (diga-se equipe interprofissional), nos moldes do previsto nos citados arts.150 e 151 da Lei nº 8.069/90 e de programas de atendimento para onde possa o Órgão Tutelar encaminhar os casos atendidos.
Apenas com a valorização do profissional e o aparelhamento adequado do Órgão e do município, haverá o estímulo à permanência do candidato escolhido na função, o que por certo impedirá a ocorrência de situações como as acima noticiadas, que tanto prejuízo acarretam às crianças e adolescentes destinatárias das normas específicas citadas.
Como já tivemos a oportunidade de salientar em artigos anteriores[11], deve o encaminhamento da proposta de alteração da legislação municipal nos moldes do acima referido, como de resto ocorre com toda e qualquer legislação municipal que diga respeito à criança e ao adolescente, ficar a cargo do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente local, Órgão deliberativo que exerce função executiva típica no qual devem estar presentes - e atuantes, legítimos representantes da sociedade civil organizada, que por certo saberão dar a importância devida a um Conselho Tutelar também fortalecido, representativo, autônomo e diligente, para o que têm o dever de contribuir, ainda que contra o interesse daquele que, ocasional e temporariamente, exerce as funções de Prefeito Municipal.
Apenas assim se estará garantindo, de forma definitiva e adequada, o funcionamento do Conselho Tutelar e o respeito a todas as suas características, inclusive sua permanência enquanto Órgão essencial à obtenção da prometida Proteção Integral de nossas crianças e adolescentes.
O ato de indisciplina: como proceder.
Em encontros realizados com professores, é comum o questionamento sobre como proceder em relação a alunos - notadamente crianças e adolescentes, que praticam atos de indisciplina na escola, assim entendidas aquelas condutas que, apesar de não caracterizarem crime ou contravenção penal[2], de qualquer modo tumultuam ou subvertem a ordem em sala de aula e/ou na escola.
Tais questionamentos não raro vêm acompanhados de críticas ao Estatuto da Criança e do Adolescente que teria, supostamente, retirado a autoridade dos professores em relação a seus alunos, impedindo a tomada de qualquer medida de caráter disciplinar para coibir abusos por estes praticados.
Ledo engano.
Em primeiro lugar, importante registrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao contrário do que pensam alguns, procurou apenas reforçar a idéia de que crianças e adolescentes também são sujeitos de direitos como todo cidadão, no mais puro espírito do contido no art.5º, inciso I da Constituição Federal, que estabelece a igualdade de homens e mulheres, independentemente de sua idade, em direitos e obrigações.
Sendo crianças e adolescentes sujeitos dos mesmos direitos que os adultos, a exemplo destes possuem também deveres, podendo-se dizer que o primeiro deles corresponde justamente ao dever de respeitar os direitos de seu próximo (seja ele criança, adolescente ou adulto), que são exatamente iguais aos seus.
Em outras palavras, o Estatuto da Criança e do Adolescente não confere qualquer "imunidade" a crianças e adolescentes, que de modo algum estão autorizados, a livremente, violar direitos de outros cidadãos, até porque se existisse tal regra na legislação ordinária, seria ela inválida (ou mesmo considerada inexistente), por afronta à Constituição Federal, que como vimos estabelece a igualdade de todos em direitos e deveres.
No que concerne ao relacionamento professor-aluno, mais precisamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi extremamente conciso, tendo de maneira expressa apenas estabelecido que crianças e adolescentes têm o "direito de ser respeitados por seus educadores" (art.53, inciso II, verbis).
Essa regra, por vezes contestada e, acima de tudo, mal interpretada, sequer precisaria ter sido escrita estivéssemos em um país do chamado "primeiro mundo"[3], haja vista que o direito ao respeito é um direito natural de todo ser humano, independentemente de sua idade, sexo, raça e condição social ou nacionalidade, sendo que no caso específico do Brasil é ainda garantido em diversas passagens da Constituição Federal, que coloca (ou ao menos objetiva colocar) qualquer um de nós a salvo de abusos cometidos por outras pessoas e mesmo pelas autoridades públicas constituídas.
Seu objetivo é apenas reforçar a idéia de que crianças e adolescentes, na condição de cidadãos, precisam ser respeitados em especial por aqueles encarregados da nobre missão de educá-los, educação essa que obviamente não deve se restringir aos conteúdos curriculares mas sim atingir toda amplitude do art.205 da Constituição Federal, notadamente no sentido do "...pleno desenvolvimento da pessoa..." da criança ou adolescente e seu "...preparo para o exercício da cidadania..." (verbis), tendo sempre em mente que, no trato com crianças e adolescentes devemos considerar sua "...condição peculiar..." de "...pessoas em desenvolvimento..." (art.6º da Lei nº 8.069/90 - verbis).
O dispositivo em questão, portanto, de modo algum pode ser interpretado como uma espécie de "autorização" para que crianças e adolescentes de qualquer modo venham a faltar com o respeito a seus educadores (ou com qualquer outra pessoa), pois o direito ao respeito e à integridade física, moral e psíquica destes é garantido por norma Constitucional, de nível portanto superior, que como vimos não poderia jamais ser violada por uma lei ordinária.
Feitas estas ponderações, que me pareciam pertinentes para o início da exposição, a resposta sobre o que fazer quando da prática de um ato de indisciplina por parte de um aluno, seja ele criança, adolescente ou adulto, passa por uma análise conjunta da Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de Diretrizes e Bases da Educação e, é claro, do regimento escolar do estabelecimento de ensino, devendo este último por óbvio se adequar às disposições legais e constitucionais específicas ou de qualquer modo afetas à matéria que pretende regular.
Como impossível saber o conteúdo e forma de elaboração de cada regimento escolar, parto do princípio que este, além de respeitar as normas acima referidas, foi elaborado e/ou adequado a partir de uma ampla discussão com toda a comunidade escolar, em especial junto aos pais dos alunos, que nos termos do art.53, par. único do Estatuto da Criança e do Adolescente, têm direito não apenas a tomar conhecimento do processo pedagógico da escola (pública ou particular), mas também de participar diretamente da própria definição de suas propostas educacionais.
E no contexto do que deve ser entendida como "proposta educacional" da escola, por óbvio, deve estar incluída a forma de lidar com autores de atos de indisciplina, pois são estes seguramente indiciários de falhas no processo educacional do aluno que precisam ser melhor apuradas e supridas através de ações conjuntas da escola, da família e, eventualmente, mesmo de outros órgãos e autoridades, como é o caso do Conselho Tutelar, que em situações de maior gravidade, em que se detecta estar o aluno criança ou adolescente em situação de risco na forma do disposto no art.98, incisos II e/ou III da Lei nº 8.069/90, pode intervir para fins de aplicação de medidas de proteção previstas nos arts.101 e 129 do mesmo Diploma Legal, destinadas ao jovem e à sua família.
Também é recomendável que o processo de discussão, elaboração e/ou adequação do regimento escolar seja estendido aos alunos, que devem ser ouvidos acerca das dinâmicas que se pretende implementar na escola bem como tomar efetivo conhecimento de suas normas internas, pois se o objetivo da instituição de ensino é a formação e o preparo da pessoa para o exercício da cidadania, é de rigor que se lhes garanta o direito de, democraticamente, manifestar sua opinião sobre temas que irão afetá-los diretamente em sua vida acadêmica.
Um dos pontos cruciais dessa discussão diz respeito à definição das condutas que caracterizam, em tese, atos de indisciplina e as sanções (ou "penas") disciplinares a elas cominadas[4].
Importante registrar que, tomando por base a regra de hermenêutica contida no art.6º do Estatuto da Criança e do Adolescente e seus princípios fundamentais, e ainda por analogia ao disposto no art.5º, inciso XXXIV da Constituição Federal, que estabeleceu o princípio da legalidade como garantia de todo cidadão contra abusos potenciais cometidos pelo Estado (em seu sentido mais amplo), deve o regimento escolar estabelecer, previamente, quais as condutas que importam na prática de atos de indisciplina, bem como as sanções disciplinares a elas cominadas, sendo ainda necessária a indicação da instância escolar (direção da escola ou conselho escolar, por exemplo) que ficará encarregada de apreciação do caso e aplicação da medida disciplinar respectiva (em respeito à regra contida no art.5º, inciso LIII também da Constituição Federal).
Evidente que as sanções disciplinares previstas não podem afrontar o princípio fundamental - e constitucional, que assegura a todo cidadão, e em especial a crianças e adolescentes, o direito de "acesso e PERMANÊNCIA na escola", conforme previsão expressa do art.53, inciso I da Lei nº 8.069/90, art.3º, inciso I da Lei nº 9.394/96 e, em especial, do art.206, inciso I da Constituição Federal[5], nem poderão contemplar qualquer das hipóteses do art.5º, inciso XLVII da Constituição Federal, onde consta a relação de penas cuja imposição é vedada mesmo para adultos condenados pela prática de crimes. De igual sorte, não poderão acarretar vexame ou constrangimento ao aluno, situações que além de afrontarem direitos constitucionais de qualquer cidadão insculpidos no art.5º, incisos III, V e X da Constituição Federal (dentre outros), em tendo por vítima criança ou adolescente, tornará o violador em tese responsável pela prática do crime previsto no art.232 da Lei nº 8.069/90.
De igual sorte, ainda por respeito a princípios estatutários e, acima de tudo, constitucionais afetos a todo cidadão sujeito a uma sanção de qualquer natureza, a aplicação da sanção disciplinar a aluno acusado da prática de ato de indisciplina não poderá ocorrer de forma sumária, sob pena de violação do contido no art.5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal, que garantem a todos o direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, mais uma vez como forma de colocar a pessoa a salvo da arbitrariedade de autoridades investidas do poder de punir.
Nesse contexto, é elementar que o aluno acusado da prática da infração disciplinar, seja qual for sua idade, não apenas tem o direito de ser formalmente cientificado de que sua conduta (que se impõe seja devidamente descrita), caracteriza, em tese, determinado ato de indisciplina (com remissão à norma do regimento escolar que assim o estabelece), como também, a partir daí, deve ser a ele oportunizado exercício ao contraditório e à ampla defesa, com a obrigatória notificação de seus pais ou responsável, notadamente se criança ou adolescente (para assistí-lo ou representá-lo perante a autoridade escolar), confronto direto com o acusador, depoimento pessoal perante a autoridade processante e arrolamento/oitiva de testemunhas do ocorrido.
Todo o procedimento disciplinar, que deve estar devidamente previsto no regimento escolar (também por imposição do art.5º, inciso LIV da Constituição Federal), deverá ser conduzido em sigilo, facultando-se ao acusado a assistência de advogado.
Apenas observadas todas essas formalidades e garantias constitucionais é que se poderá falar em aplicação de sanção disciplinar, cuja imposição, do contrário, será nula de pleno direito, passível de revisão judicial e mesmo sujeitando os violadores de direitos fundamentais do aluno a sanções administrativas e judiciais, tanto na esfera cível (inclusive com indenização por dano moral eventualmente sofrido - ex vi do disposto no citado art.5º, inciso X da Constituição Federal), quanto criminal, tudo a depender da natureza e extensão da infração praticada pela autoridade responsável pela conduta abusiva e arbitrária respectiva.
Evidente também que a decisão que impõe a sanção disciplinar precisa ser devidamente fundamentada, expondo as razões que levaram a autoridade a entender comprovada a acusação e a rejeitar a tese de defesa apresentada pelo aluno e seu responsável, inclusive para que possa ser interposto eventual recurso às instâncias escolares superiores e mesmo reclamação ou similar junto à Secretaria de Educação.
Embora as cautelas acima referidas pareçam excessivas, devemos considerar que seu objetivo é a salvaguarda do direito do aluno/cidadão (criança, adolescente ou adulto) contra atos abusivos/ arbitrários da autoridade encarregada da aplicação da sanção disciplinar, que para o exercício dessa tarefa não pode violar direitos fundamentais expressamente relacionados na Constituição Federal e conferidos a qualquer um de nós, consoante acima mencionado.
Também não podemos perder de vista que todo o processo disciplinar, com a cientificação da acusação ao aluno e garantia de seu direito ao contraditório e ampla defesa, possui uma fortíssima carga pedagógica, pois vendo o aluno que seus direitos fundamentais foram observados, e que foi ele tratado com respeito por parte daqueles encarregados de definir seu destino, a sanção disciplinar eventualmente aplicada ao final por certo será melhor assimilada, não dando margem para reclamos (em especial junto aos pais) de "perseguição" ou "injustiça", que não raro de fato ocorrem (ou ao menos assim acredita o aluno), e que acabam sendo fonte de revolta e reincidência ou transgressões ainda mais graves.
Em suma, se formos justos com o aluno acusado do ato de indisciplina, mostrando-lhe exatamente o que fez, dando-lhe a oportunidade de fornecer sua versão dos fatos e, se comprovada a infração, dizendo a ele porque lhe estamos aplicando a sanção disciplinar, tudo dentro de um procedimento sério, acompanhado desde o primeiro momento pelos seus pais ou responsável, teremos muito mais chances de alcançar os objetivos da medida tomada, que se espera sejam eminentemente pedagógicos (e não apenas punitivos), evitando assim a repetição de condutas semelhantes e ensinando ao jovem uma impagável lição de cidadania, como a instituição escolar, consoante alhures ventilado, tem a missão constitucional de ministrar.
Ao arremate, vale apenas reforçar a afirmação por vezes efetuada que a sistemática acima referida deve ser adotada em relação a todos os alunos, independentemente de sua idade ou nível escolar, pois a obrigação do respeito a direitos e garantias constitucionais de parte a parte não tem idade, sendo direito - e também dever, de todo e qualquer cidadão, seja ele criança, adolescente ou adulto.
Murillo José Digiácomo
Promotor de Justiça
[1] Promotor de Justiça no Estado do Paraná
[2] os chamados "atos infracionais" definidos no art.103 da Lei nº 8069/90, que devem ser apurados pela autoridade policial e, em procedimento próprio instaurado perante o Conselho Tutelar (no caso de crianças) ou Justiça da Infância e Juventude (no caso de adolescentes), resultar na aplicação de medidas específicas já relacionadas pelo mesmo Diploma Legal citado.
[3] daí porque não há que se admitir as críticas ao Estatuto da Criança e do Adolescente por ser supostamente uma "lei de primeiro mundo", portanto "inadequada à realidade brasileira", pois regras como a transcrita somente têm lugar em países de "terceiro mundo", onde se tem por hábito violar direitos fundamentais de crianças e adolescentes, como se não fossem eles também cidadãos.
[4] deixamos de relacioná-las expressamente pois isto deve ficar a cargo de cada regimento escolar, que como vimos deve ser discutido e aprovado junto a toda comunidade escolar. Relacionamos apenas os princípios a serem observados e aquilo que não deve ocorrer quando da devida regulamentação.
[5] razão pela qual não se admite a aplicação das sanções de suspensão pura e simples da freqüência à escola (uma eventual suspensão deve contemplar, obrigatoriamente, a realização de atividades paralelas, nas próprias dependências da escola ou em outro local, desde que sob a supervisão de educadores, de modo que o aluno não perca os conteúdos ministrados - ou mesmo provas aplicadas - no decorrer da duração da medida), e muito menos a expulsão ou a transferência compulsória do aluno, que em última análise representa um "atestado de incompetência" da escola enquanto instituição que se propõe a educar (e não apenas a ensinar) e a formar o cidadão, tal qual dela se espera.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
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